Com enredo polêmico, Beija-Flor é eleita campeã do Carnaval 2015 no Rio
Com enredo polêmico patrocinado pela Guiné Equatorial, a Beija-Flor foi eleita campeã do Carnaval 2015 no Rio. O resultado foi revelado durante apuração das notas, realizada nesta quarta-feira (18), na Sapucaí. Este é o 13º título da Beija-Flor. O penúltimo foi em 2011, com enredo sobre o cantor Roberto Carlos.
"Sentimento de dever cumprido. A nossa comunidade merecia. Aquele sétimo lugar do ano passado ficou engasgado", disse Neguinho da Beija-Flor, que acompanhou a apuração no sambódromo.
Presidente da escola, Laíla chorou de emoção e se deitou no chão na hora do resultado. "Fomos muito incompreendidos, até mesmo dentro da própria escola. Nunca tinha passado por um carnaval tão difícil. Eu amo a minha escola. É uma vitória da minha comunidade, do meu povo", declarou.
Desde o começo da apuração, a Beija-Flor figurou entra as primeiras colocadas. A partir do quesito mestre-sala e porta-bandeira, assumiu o primeiro lugar, terminando com 269,9 pontos – 4 décimos à frente da segunda colocada, o Salgueiro (veja o placar completo com todas as notas). A Viradouro, do início ao fim da apuração em último lugar, foi rebaixada para a Série A, o grupo de acesso.
A Beija-Flor foi a terceira escola a entrar na Sapucaí na segunda noite de desfiles do Carnaval carioca. Ovacionada pela plateia aos gritos de "é campeã!", a agremiação de Nilópolis defendeu um enredo patrocinado pelo país africano comandado há 35 anos por Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, que, segundo a ONG Anistia Internacional, é acusado de violações de direitos humanos, tortura e prisões arbitrárias.
Puxado mais uma vez por Neguinho da Beija-Flor, que comemora 40 anos à frente da escola, o enredo "Um Griô Conta a História: um Olhar Sobre a África e o Despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos Sobre a Trilha de Nossa Felicidade" levou para a avenida alegorias feitas com búzios, palha e sisal. Griô, na mitologia africana, é um contador de histórias orais.
As seis melhores colocadas voltam à avenida no próximo sábado, dia 21, a partir das 20h30, para o desfile das campeãs.
Desfile
A Beija-Flor de Nilópolis entrou na avenida disposta a se reabilitar do sétimo lugar obtido no Carnaval passado. Com um visual imponente, a azul e branca trouxe para a Sapucaí mais um enredo de matriz africana, tão cara à sua trajetória no Carnaval. Exaltando a Guiné Equatorial, trouxe carros alegóricos gigantescos e fantasias esmeradas.
A bateria, dos mestres Plínio e Rodney, apresentou um andamento bem cadenciado. Nos setores finais da avenida, a Beija-Flor pecou em evolução, abrindo um grande buraco entre alas após o recuo da bateria – o que acabou não atrapalhando na luta pelo título. A escola teve mais uma vez Raíssa Oliveira como rainha de bateria e também a atriz Claudia Raia como madrinha, representando uma deusa soberana.
Polêmica
De acordo com uma reportagem do jornal "O Globo", a escola teria recebido R$10 milhões de patrocínio da Guiné Equatorial. O presidente do país africano é um dos líderes mais ricos do continente e tem imóveis em diversos países, inclusive no Brasil. Na escola, apenas o embaixador da Guiné Equatorial no Brasil, Benigno-Pedro Tang, desfilou. Ele saiu no último carro alegórico. O vice-presidente do país e outras autoridades assistiram ao desfile de um camarote próprio.
Tang negou que o governo de seu país tenha financiado a Beija-Flor. "Foram financiadores culturais", afirmou. "O governo não tem nada a ver com isso. Somente pessoas do meio cultural", disse Tang ao jornal O Estado de S. Paulo. "O que a imprensa divulgou é uma soma muito excessiva. Se quiserem, podemos verificar e fazer a estimativa em detalhes em vez de falar no ar", acrescentou.
Ao final do desfile, Laíla, presidente da comissão de carnaval da Beija-Flor, criticou a imprensa ao falar sobre a polêmica. "Tem tanta coisa para jornalistas se preocuparem, tantas mazelas, e querem pegar o Carnaval, uma escola de samba honesta, de comunidade carente, que vive na miséria, para tirar proveito. É sujo", disse ele na dispersão, acrescentando que não fala sobre valores. "O país [Guiné Equatorial] é maravilhoso. Nós sabemos fazer carnaval. Eu não suporto política. Eu não falo de política."
Apuração
Nenhuma escola foi penalizada antes do início da leitura dos votos. Assim como em São Paulo, o quesito evolução foi definido como critério de desempate caso duas escolas de samba ficassem empatadas com o mesmo número de pontos ao final da apuração.
Para ter um bom julgamento no quesito evolução, a escola deve apresentar perfeito entrosamento entre a dança dos componentes e o ritmo do samba executado pela bateria. Desfiles lentos ou acelerados demais podem perder pontos.
Em um dos momentos curiosos da apuração, foi anunciado que uma das notas do quesito alegorias e adereços da Unidos da Tijuca não foi lançada no sistema pelo jurado. Pelo regulamento, repete-se a nota mais alta no mesmo quesito dada à escola. No caso, nota 10.
Ficha Técnica da Beija-Flor
Fundação: 25 de dezembro de 1948
Cores oficiais: Azul e Branco
Presidente: Farid Abrahão David
Comissão de Carnaval: Laíla, Fran Sérgio, Ubiratan Silva, Victor Santos, André Cezari, Bianca Behrends e Claudio Russo
Enredo: "Um Griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade"
Intérprete: Neguinho da Beija-Flor
Mestre de Bateria: Plínio e Rodney
Rainha da Bateria: Raíssa Oliveira
Mestre-sala e porta-bandeira: Selmynha Sorriso e Marcelo Misailidis
Samba enredo da Beija-Flor
Vem na batida do tambor
Voltar na memória de um griô
Fala cansada, mãos calejadas
Ouça o menino Beija Flor
Ceiba, árvore da vida
Raízes na verde imensidão
Na crença de tribos antigas
Força e povoada nesse chão
O invasor singrou o mar
Partiu em busca de riquezas
E encontrou nesse lugar
Novas Índias, outras realezas
Destino trocado, tratado se faz
Marejam os olhos dos ancestrais
Negro canta, negro clama
Liberdade!
Sinfonia das marés
Saudade!
Um africano rei que não perdeu a fé
Era meu irmão, filho da Guiné!
Formosa, divina ilha
Testemunha dos grilhões
Eu vi a escravidão erguer nações
Mas a negritude se congraça
A chama da igualdade não se apaga
Olha a morena na roda e vem sambar
Na ginga do balélé, cores no ar
Dessa mistura vem meu axé
Canta Brasil! Dança Guiné!
Criança! Levanta a cabeça e vá embora!
No mar que trouxe a dor,
Riqueza aflora
Tens uma família agora!
Quem beija essa flor não chora.
Sou negro na raça, no sangue
E na cor.
Um guerreiro Beija Flor
Oh minha deusa soberana!
Resgata sua alma africana
Fonte: Do UOL, em São Paulo
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