Corumbá, 240 anos: avanços e recuos da cidade que foi "Capital Econômica"
Cristo Rei do Pantanal de braços abertos para o Pantanal: Corumbá imita o Rio de Janeiro (Fotos: Divulgação)
Uma das cidades mais belas do interior brasileiro, com um conjunto arquitetônico que difere das demais antigas cidades do País ao predominar a arquitetura neoclássica italiana – semelhante ao centro de Assunção (Paraguai), subúrbios de Buenos Aires (Argentina) e interior do Uruguai, Corumbá completa 240 anos nesta sexta-feira, 21. Cidade de contrastes, lendas, apogeu e decadência econômica – cujos moradores são 60% afrodescendente.
Fundada no mesmo ano (1778) que Miranda e Ladário, a Capital do Pantanal ou Cidade Branca vivenciou desde o final do século XIX aos dias atuais momentos de euforia com a passagem do gasoduto Bolívia-Brasil e grandes projetos industriais e de logística. No entanto, Corumbá tem um ramal do gás inoperante; a termelétrica do empresário Eike Batista emperrou; o polo petroquímico foi ilusão e a rota bioceânica continua alimentando sonhos.
A divisão territorial de Mato Grosso, em 1977, foi um duro golpe a uma região isolada no extremo Oeste e com laços históricos e afetivos com Cuiabá e Cáceres, cidades mato-grossenses, pelo Rio Paraguai. Os altos e baixos da cidade se acentuam nesses 240 anos, tornando-se recorrente, predominando, como cita o historiador e ex-vereador da cidade, Valmir Batista Corrêa, “as interrupções em detrimento da continuidade histórica”.
Feitiço do tempo
Quem passeia pelas suas ruas de paralelepípedos bem traçadas, encantando-se com os casarões, tempos religiosos, praças e monumentos, não pressupõe a importância econômica e política que foi no passado essa cidade pacata, encantadora e única. No auge do comércio fluvial, até os anos de 1930, Corumbá era o centro financeiro do velho Mato Grosso. A ausência do governo de Cuiabá insurgiu movimentos para mudar a capital do Estado.
O tempo e a história, como bem definiu Valmir Corrêa, no entanto, foram e continuam implacáveis com essa joia influenciada pelas águas platinas. O historiador escreveu um artigo – “O feitiço do tempo em Corumbá” – para abordar uma sequência de acontecimentos que ditam “o ritmo de um tempo feiticeiro, devagar, quase parando... sem sair do lugar. Só um combalido sentimento de frustrada esperança é que a move.”
Idas e vindas que também inspiraram o poeta maior e pantaneiro Manoel de Barros, que melhor definiu esses lampejos. Diz o poeta: “As coisas que acontecem aqui, acontecem paradas. Acontecem porque não foram movidas. Ou então, melhor dizendo: desacontecem”. De fato, ocorre historicamente um processo de interrupção dos fatos mais relevantes, os quais, ou não ocorrem, ou acontecem lentamente, ou ainda implicam em perdas para a cidade.
Eixo econômico
Corumbá era uma fortificação abandonada pela província e acabou sendo a única vila ocupada pelas tropas paraguaias na Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870). Retomada em 13 de junho de 1870, expandiu-se com a abertura dos portos tornando-se o terceiro maior entreposto fluvial da América Latina. Foi o embrião do Mercosul, a primeira cidade da região a manter relações comerciais com Argentina e Uruguai, herdando características de uma cidade platina.
Pelo seu porto passavam navios transatlânticos, a moeda predominante era a esterlina e operavam 20 bancos, dentre os quais o City Bank. A agência local do Banco do Brasil é a 14ª do País, quando algumas cidades, hoje metrópoles, não contavam com a instituição financeira. Corumbá prosperava no início do século XX, instalava-se uma das primeiras indústrias de cerveja do Brasil, os vinhos das melhores adegas e os tecidos refinados vinham da Europa.
Com a chegada dos trilhos da antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil ao hoje distrito de Porto Esperança, distante 80 km de Corumbá, porém, ocorria um dos primeiros revezes para quebrar o monopólio do comércio fluvial. A ferrovia chegou a Corumbá somente em 1952, quando o eixo econômico já havia se transferido para Campo Grande, que se desenvolvia de forma extraordinária com a aproximação com os grandes centros pelo trilho e estrada.
A cheia de 70
A cidade entrou em decadência e chegou a reduzir sua população em 1980, segundo o IBGE, depois de somar com o triplo de habitantes de Campo Grande, em 1912. A hoje capital de Mato Grosso do Sul, ao contrário, passou de 5.115 moradores naquele ano para 21.360 em 1920. A inesperada cheia do Pantanal, em 1970, matando milhares de cabeças de gado, foi mais um tropeço, arruinando a economia local, instalando-se uma crise profunda.
Ainda com força política, Corumbá recebe energia elétrica de Urubupungá, em 1970, contudo, não se efetivaria, por causa da cheia na planície, a ligação rodoviária com Porto Jofre, em Poconé (MT), considerada a redenção da região. Não havia ligação rodoviária com Campo Grande, que, ao contrário, era beneficiada com a implantação da BR-163, de São Paulo a Cuiabá. O trecho da BR-262 entre Miranda-Corumbá foi o último a ser implantado, nos anos de 1980.
Como contraponto desse período de enfraquecimento econômico, é instalada na cidade a primeira indústria de Mato Grosso, a Cimento Itau, hoje controlada pela Votorantim. Na década de 1950, é construído o primeiro arranha-céu do Estado – o Edifício Salim Kassar -, com 11 andares de apartamentos, na rua 13 de Junho, em frente à Praça da Independência. Mas o Anel Viário de 11,9 km em direção à Bolívia, projetado em 1973, foi construído somente em 2010.
A refundação
Hoje, Corumbá é a quarta população do Estado, mas não tem representação política em Brasília e na Assembleia Legislativa. Passou por um processo de “refundação” – expressão usada pelo ex-prefeito Ruiter Cunha, que morreu em 2017 – nos anos 2.000, retomando o desenvolvimento com um volume de investimentos públicos nunca visto. O turismo, a mineração, o comércio exterior e a pecuária são os esteios de sua economia.
Os revezes históricos, no entanto, não tiraram da cidade seu encanto, a alegria do povo bairrista - que canta o samba no pé, imita o sotaque carioca e se orgulha de ser corumbaense. Por isso Corumbá é única, tudo ali acontece diferente – ou desacontece. Mesmo depois de ficar isolada por uma tromba d’água, que inundou a cidade e matou várias pessoas, em 1992, o povo realizou o seu carnaval de rua, o melhor do interior brasileiro. Isso é Corumbá!
Fonte: Sílvio Andrade, especial para o Campo Grande News / Campo Grandes News
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