Marco Temporal. Quem está com a razão?
Estamos tratando do conflito envolvendo os proprietários rurais e o povo indígena. A pergunta é tempestiva e pertinente, pois a questão ganhou foro nacional.
Nem de longe pretendemos extrair alguma conclusão, mas sim, refletir como os demais brasileiros e, em especial, os que habitam o Estado de Mato Grosso do Sul.
Até o presente momento, apesar das inúmeras declarações e notícias veiculadas na mídia (televisão, rádios, jornais, revistas etc.), não pudemos observar quem está com a razão. De um lado os administradores públicos e do outro lado os proprietários rurais e os líderes indígenas. De certa forma, há um impasse entre o Governo Federal e o Governo Estadual sobre as atribuições do Poder de Polícia.
Bem, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) com certeza devem se pronunciar. Explico: esses são os órgãos encarregados de fiscalizar a terra e cuidar da nação indígena.
Preleciona a dicção da CF/88, art. 231, caput; §§ 1º e 5º, verbis:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”;
“São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”;
“É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco”.
Com efeito, os indígenas possuem o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam em caráter permanente. A demarcação e remoção dos grupos indígenas são de competência da União (Governo Federal).
Entretanto, sem adentrar na seara dos estudos antropológicos, porém pela simples análise originária do tema, o território brasileiro foi colonizado e habitado por brancos e índios. Por esse prisma o impasse coloca a situação ainda mais delicada, pois a discussão do direito a posse da terra entre brancos e índios torna-se equilibrada. Quem chegou primeiro? Quem explorou primeiro? E por aí vai!
O direito à habitação é garantido a todos, conforme consta na Constituição Federal Brasileira. A CF/88 também garante o direito à propriedade privada, a função social da propriedade, o livre exercício de atividade econômica, a busca do pleno emprego etc. Logo, ao que parece, estamos diante de um desafio acerca do direito de propriedade.
Ocorre que, a busca da garantia constitucional do direito à propriedade deve ser exercida nos limites e termos da Lei. Todos possuem o direito ao acesso à Justiça: tanto os indígenas como os proprietários rurais.
Veja que segundo a redação do art. 232 da CF/88, os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. Assim, a postulação é legítima e possui amparo na própria Constituição. O eventual conflito será analisado pelo Poder Judiciário.
O que não pode acontecer é o cidadão ver tolhido o seu direito constitucional de ir e vir. O impasse não pode ultrapassar os limites das partes envolvidas. O povo não pode ser prejudicado por conta de questão que se encontra na esfera dos Poderes constituídos. Não nos interessa a quem cabe a solução do problema (Poder Executivo ou Poder Judiciário), mas sim, a rápida resolução para que não cause danos maiores do que está causando em todos os seguimentos da sociedade.
Veja-se as notícias:
“A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e a Rede Sustentabilidade pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) a inconstitucionalidade de lei aprovada neste ano pelo Congresso Nacional sobre o marco temporal para a demarcação das terras indígenas.
A Lei n° 14.701/2023 prevê que os indígenas só têm direito ao reconhecimento e demarcação de seus territórios se comprovarem presença física nestas áreas em 5/10/1988, data da promulgação da Constituição Federal.
As autoras da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7582 alegam que o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral reconhecida, invalidou a teoria do marco temporal.
Para elas, a lei constitui o maior retrocesso aos direitos fundamentais dos povos indígenas desde a redemocratização do país. Argumentam que a norma implica não só o aumento da violência contra essa população, como também afeta toda a sociedade, pois acentua a degradação do meio ambiente e a crise climática.
A Apib e os partidos destacam ainda que a lei possui outras inconstitucionalidades, como alterar a Constituição Federal por meio de lei ordinária; suprimir o direito de consulta das comunidades indígenas, previsto na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT); e criar obstáculos ao processo de demarcação, em afronta ao princípio da eficiência e com o objetivo de impedir sua finalização.
O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu mais uma ação questionando a validade de regras aprovadas pelo Congresso Nacional estabelecendo que os povos indígenas só têm direito ao reconhecimento e demarcação de territórios se comprovarem sua presença nas áreas em 5/10/1988, data da promulgação da Constituição Federal. As regras, que instituem o chamado marco temporal, constam da Lei 14.701/2023.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7583, com pedido de liminar, foi apresentada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Partido Verde (PV). Eles argumentam que o STF já concluiu que a adoção desse marco temporal para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas não é compatível com a proteção constitucional aos direitos dos povos indígenas sobre seus territórios.
As regras chegaram a ser vetadas pelo presidente da República, mas o Congresso derrubou os vetos. Sobre o mesmo tema, foram apresentadas a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87, pedindo a validação da lei, e a ADI 7582, questionando sua validade.
O Partido Democrático Trabalhista (PDT) apresentou ação semelhante no dia 5/01 (ADI 7586), na qual afirma que artigos da Lei 14.701/2023 impõem graves limitações ao exercício dos direitos fundamentais dos povos originários, sem amparo de qualquer norma constitucional” – Fonte STF.
Respeitar o direito é fundamental para democracia.
*Advogado na Manhabusco Advogados Associados
Fonte: José Carlos Manhabusco / Dourados News
COMENTÁRIOS
Usando sua conta do Facebook para comentar, você estará sujeito aos termos de uso e politicas de privacidade do Facebook. Seu nome no Facebook, Foto e outras informações pessoais que você deixou como públicas, irão aparecer no seu comentário e poderão ser usadas nas plataformas do iFato.