Nelson Pereira dos Santos foi um dos definidores da identidade brasileira

Cineasta paulistano que morreu no Rio no sábado, 21, aos 89 anos, deixou um legado de obras-primas como 'Rio 40 Graus', 'Vidas Secas' e 'Memórias do Cárcere'
21/04/2018 18:40 Brasil

E os mestres estão-se indo. No fim de semana passado morreram Milos Forman e Vittorio Taviani. Neste sábado, 21, Nelson Pereira dos Santos. Nascido em São Paulo, Nelson fez-se jornalista e, depois, na França, foi estagiário dfo IDHEC, o Instituto dos Altos Estudos Cinematográficos. Nos anos 1950, eram a Meca de jovens de todo o mundo.

O IDHEC, em Paris, e o Centro de Cinema Experimental, em Roma. De volta ao Brasil, e impregnado pelo neorrealismo italiano, Nelson fez dois filmes sucessivos, Rio 40 Graus e Rio Zona Norte, criando uma alternativa para a chanchada da Atlântida e o tipo de cinema indusdrializado que a Vera Cruz tentava impor em São Paulo.

Lá se vão 60 e tantos anos. Precocemente transformado em ícone, farol para uma geração que queria colocar o Brasil na tela, Nelson foi um dos pais do Cinema Novo, ao qual, em 1964, deu um de seus mais belos títulos – Vidas Secas, adaptado do romance de Graciliano Ramos. Conta a lenda que Nelson nem chegou a elaborar um roteiro. Filmava do próprio livro.

O mundo inteiro estava mudando nos anos 1960. Na trilha aberta pelo neorrealismo e pela nouvelle vague, pipocavam os cinemas nacionais. A ambição de Nelson e seus amigos – Glauber Rocha, Cacá Diegues, Leon Hirszman, Ruy Guerra, etc. – não era pequena. Queriam mudar o cinema, e o mundo.

Boa parte da obra de Nelson Pereira dos Santos é feita de adaptações. Nelson Rodrigues, Graciliano, Guilherme de Figueiredo, Machado de de Assis, Jorge Amado. Foi, com Vidas Secas, um dos definidores da estética da fome. Com Fome de Amor, fez seu filme mais experimental. Com O Amuleto de Ogum, deu talvez sua mais bela contribuição a um cinema nacional e popular.

Com Memórias do Cárcere, voltou a Graciliano e fez outra obra-prima. Com A Estrada da Vida, filmando Milionário e Zé Rico, fez um filme adiante de sua época. O artista como trabalhador. Nelson continuou adaptando - Casa Grande e Senzala, Raízes do Brasil. Documentou Zé Keti e Antônio Carlos Jobim, o Tom.

Tantos bons serviços à literatura e à cultura do Brasil o fizeram ser eleito para a Academia Brasileira de Letras. Deixa o legado de uma obra com momentos fulgurantes – e definidores da nossa identidade. O som daquela roda estridente, a secura de Fabiano, o exotismo de Siá Vitória, a morte de Baleia – Vidas Secas. Gabriel e seu corpo fechado em O Amuleto de Ogum. Milionário e Zé Rico na loja, trabalhadores do Brasil, ouvindo no rádio tocar sua música – A Estrada da Vida. Nelson Pereira dos Santos tinha 89 anos e uma generosidade – estética – do tamanho do coração do Brasil.

Fonte: Luiz Carlos Merten / Estadão

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