No "batismo" do PCC, iniciante responde sobre drogas, ética e homossexualidade
“É isso mesmo, Samurai, que você quer para sua vida, irmão, fazer parte do Primeiro Comando da Capital?”
As contantes investidas do sistema de segurança público contra o PCC ainda não conseguiram desarticular a estrutura organizacional da facção que passa, principalmente, pelos presídios de Mato Grosso do Sul. Daqui, os “Linha Vermelha” comandam o crime no Nordeste, aliciam integrantes e participam dos batismos, em que os novos faccionados são questionados sobre uso de drogas, ética do crime e homossexualidade.
Os batismos são realizados durante conferências, encontro com várias demandas do PCC que chegam a durar 5 h. No ritual de iniciação, os criminosos respondem a minucioso questionário. A frase que abre esta reportagem faz parte de áudio interceptado durante a Operação Flashback II, deflagrada na semana passada em MS e mais dez estados, em que o pretenso faccionado passa pelo interrogatório.
Parte do áudio foi suprimido desta reportagem por não ser facilmente entendido, mas o que se segue é uma amostra dos rituais seguidos para a marcar a entrada no PCC. Inicialmente, a conferência é aberta com apresentação das lideranças presentes, os que ocupam a função de “Geral” na facção em vários estados.
O áudio segue já com a primeira pergunta feita ao convidado, identificado como “Samurai”. Do outro lado da linha, o homem pergunta:
“quando nossos irmãos e irmã te fez (sic) o convite para fazer parte do primeiro comando, você tá entrando de corpo, alma e coração?”.
Depois da resposta afirmativa, segue o interrogatório: se “Samurai” tem algum parente que já faz parte do PCC, se tem alguma dívida com a facçao, se já teve alguma “reação resolvida pela disciplina” do comando, se usou drogas consideradas proibidas para os faccionados, como pasta-base, crack ou óxi.
A pergunta seguinte é se ele já leu e tem total entendimento “da disciplina e ideologia do PCC” . O homem responde: “Tô lendo, tô pegando a visão, irmão”.
O áudio segue: “A pergunta agora, Samurai, é com total respeito a sua pessoa, tá bom irmão? Você já teve algum tipo de envolvimento com pessoas do mesmo sexo ou até mesmo um ato de homossexualismo?. Ele responde: “Ainda não”.
A interceptação vai até a 8ª pergunta (sobre ter feito parte de alguma gangue), mas o Campo Grande News teve acesso ao questionário básico, com 11 perguntas. A ordem difere um pouco do que foi interceptado, mas todas devem ser feitas no momento do batismo.
No questionário, chama a atenção se a pessoa já fez “alguma caminhada que fere a ética do crime” ou se já foi “conduzido a algum prazo ou algum arame da família”. Neste caso, traduzindo, se já teve algum problema particular com a facção.
A reportagem apurou com a SSP/AL (Secretaria de Segurança Pública de Alagoas), que participou da coordenação e investigação da Operação Flashback II, o PCC mantém o viés ideológico que fez parte da sua criação, em São Paulo, na década de 1990. “Quando falo viés ideológico é na medida que eles transformam uma facção em um ‘mito’ no imaginário coletivo”, segundo informação da secretaria.
Mas, porque alguém se submete ao código mais rígido do que qualquer penalidade no Código Penal no Brasil, sujeito à morte por infração mínima? A resposta, segundo a secretaria, pode estar na necessidade de sobrevivência dentro do sistema prisional. A taxa de reincidência é alta, principalmente entre aqueles condenados por tráfico de drogas.
“O ‘mito’ PCC transmite a mensagem que é o protetor dos presos e facilitador dos na rua, e eles acreditam”.
Maturidade – o áudio foi interceptado em junho deste ano e faz parte da segunda fase da Operação Flashback, comandada pelas polícias Civil, Militar e Gaeco (Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado) de Alagoas e deflagrada no dia 28 de julho. Foram 216 mandados de prisão e busca e apreensão em 11 estados (AL, MS, SE, PE, CE, BA, PB, PI, PR, SP e MG).
A investigação tinha como foco a formação de novo núcleo feminino da facção, nos estados do NE, além de São Paulo e Minas Gerais, tráfico de drogas e as lideranças do PCC nas regiões.
No dia da operação, o major Henrique Jatobá, subcomandante do Bope (Batalhão de Operações Especiais) de Jatobá, citou Mato Grosso do Sul como “estado base da organização” e que os integrantes do PCC “prezam muito por ele”, pelo número de lideranças em atividade, muitas, dentro do presídio.
A indesejável importância de MS no crime é parcialmente explicada pela proximidade geográfica com Bolívia e Paraguai, os principais fornecedores de drogas e armamentos, além de rota dos carros roubados no Brasil.
Mas existe outro atrativo, também alvo de investigação, que é a estratégia adotada pela facção que consegue manter a liderança próxima, no mesmo presídio e até na mesma cela aqui no Estado. O fato também foi apontado na coletiva, pelo delegado Gustavo Henrique, da Deic (Divisão Especial de Investigação e Captura) da Polícia Civil de Alagoas.
De acordo com informações da SSP/AL (Secretaria de Segurança Pública) de Alagoas, a transferência de presos segue rito burocrático que acaba contribuindo nessa dinâmica, já que é necessário seguir procedimentos jurídicos, com justificativa suficiente para tirar o preso de onde ele está.
Um exemplo é a situação de Marcelo Lima Gomes, 37 anos, o ‘Maré Alta’, identificado pelo MPAL (Ministério Público de Alagoas) como “Geral do Estado”, cargo de comando do PCC, que trabalha no setor da “disciplina” da facção.
Maré Alta foi um dos alvos da Operação Flashback I, de 28 de novembro de 2019, deflagrada em MS e mais sete Estados. . Entre as atribuições, a decisão de consumar execuções promovidas pelo “tribunal do crime”, além de cooptar novos integrantes. Ele está no sistema prisional de Mato Grosso do Sul desde 2013.
Nesta segunda fase da operação, foi pedida a transferência dele para unidade prisional que dificulte a comunicação com outros integrantes da facção, seja para outro estado, dentro do sistema estadual ou até presídio federal. A informação, segundo Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário), é que ele ainda está em MS.
Comando – De acordo com informações da secretaria de Segurança de Alagoas, faccionados de Mato Grosso do Sul alcançaram “grau de maturidade” no grupo e comandam, daqui do Estado, a facção no Nordeste.
Os líderes de MS fazem parte do grupo dos “Linha Vermelha”, e estão na segunda posição hierárquica, abaixo apenas dos “Cidade Proibida”, formada pelos mais antigos, como Marcos Williams Herbas Camacho, o ‘Marcola’ que hoje está no presídio federal em Brasília. Com a dificuldade de manter comunicação constante com o alto comando, é responsabilidade deles manter o “padrão PCC”.
A maioria dos “evoluídos”, segundo a secretaria, está em Mato Grosso do Sul está nas unidades penais daqui, como o Presídio de Segurança Máxima Jair Ferreira de Carvalho, m Campo Grande. A reportagem apurou que ter essas lideranças presas é vantajoso para o PCC: mais protegidos dos rivais e mais difícil de sair da facção ou ser cooptado por grupo inimigo, como o CV (Comando Vermelho), de origem carioca.
Fonte: Silvia Frias / Campo Grande News
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