Conheça os refugiados sírios que recomeçaram no Brasil como repositores de estoque e viraram chefes em atacadista de SP

Abdullah Saddik e Ahmad Almasri vieram para o Brasil para fugir da guerra, aprenderam português, cresceram na carreira e hoje coordenam equipes de brasileiros; rede Akki empresa 32 estrangeiros.
18/03/2018 09:48 Concursos e Emprego
O sírio Abdullah Saddik gerencia uma equipe de 50 brasileiros na rede atacadista (Foto: Fabio Tito/G1)
O sírio Abdullah Saddik gerencia uma equipe de 50 brasileiros na rede atacadista (Foto: Fabio Tito/G1)

Quando deixaram a Síria para viver no Brasil, Abdullah Saddik e Ahmad Almasri só pensavam em fugir da guerra civil que começou em 2011 e já deixou um saldo de mais de 400 mil mortos e mais de 5 milhões de refugiados. A mudança para um país desconhecido trouxe as dificuldades de encontrar emprego sem dominar o idioma.

Eles começaram suas carreiras no Brasil em cargos operacionais, como todos os estrangeiros que começam a trabalhar na rede atacadista Akki, mas em pouco tempo conseguiram crescer e hoje coordenam equipes de brasileiros.

Dos 666 empregados nas 6 lojas da Grande São Paulo, a rede atacadista Akki emprega 32 estrangeiros, vindos da Síria, Paquistão, Palestina, Marrocos, Líbano e Paraguai. Todos têm carteira assinada e os mesmos benefícios dos funcionários brasileiros.

Abdullah Saddik, de 30 anos, é o primeiro estrangeiro contratado pela empresa e o que ocupa o cargo mais elevado entre os imigrantes.

Saddik veio da Síria para São Paulo em 2015 fugindo da guerra. Natural de Aleppo, fez graduação em administração de empresas na Síria e trabalhou por 9 anos no setor financeiro. Depois morou no Egito, onde fez mestrado em finanças em uma universidade pública. Sem, perspectivas de poder voltar à Síria e sem conseguir emprego no Egito, Saddik decidiu tentar a sorte no Brasil.

Ele ficou sabendo que a rede atacadista contratava estrangeiros por meio de um amigo de Aleppo que mora no Brasil há 10 anos. Ele entregou o currículo na empresa e logo depois foi chamado para entrevista. Começou a trabalhar como repositor de perecíveis após cinco meses no país.

“Eu falava pouco português quando comecei a trabalhar, mas meus amigos sírios que estavam na empresa me ajudaram bastante”, diz.

Depois de passar pelo setor de prevenção de perdas e pelo financeiro, há quase um ano é gerente administrativo, coordenando uma equipe de 50 pessoas, todos brasileiros. “Nós nos respeitamos”, diz.

Ele conta que, no início, queria fazer tudo às pressas na empresa. Aos poucos, foi se adaptando.

O gerente administrativo deixou o pai e a mãe em Aleppo, mas nas férias do ano passado – a segunda desde que entrou na rede - conseguiu visitá-los. Sua cidade ainda estava destruída, mas nem a rua nem a casa onde seus pais moram foi afetada.

Ele conta que quando chegou ao Brasil ficou 5 meses sem falar com eles porque não tinha telefone nem internet. Atualmente, sempre que pode manda dinheiro para eles. “Meus estão felizes por eu estar aqui”, afirma.

Saddik não tem planos de voltar para a Síria. “Eu estou aqui e quero ficar aqui, vamos viver o presente”, diz.

Para o sírio, o Brasil é um ótimo lugar para trabalhar porque há perspectivas de crescimento para quem busca qualificação e assegura direitos trabalhistas que ele nunca teve na Síria, como férias e FGTS.

Ahmad Almasri, de 23 anos, veio de Damasco em 2014 para o Brasil depois que sua família perdeu a casa em um bombardeio e também para não ser convocado para a guerra - segundo ele, quando os jovens completam 18 anos são convocados pelo Exército. Ele tinha 19 anos quando chegou a São Paulo para morar com os tios sírios.

Almasri trabalhou na empresa de móveis dos tios sem carteira assinada por dois anos. “Decidi mudar pois estava numa empresa familiar e não via possibilidade de evoluir”, conta.

Seus planos de crescer na carreira deram certo. Almasri entrou na rede atacadista em maio de 2017. Após trabalhar menos de um ano como fiscal de prevenção de perdas, checando validade dos produtos e os carrinhos de compras e notas fiscais dos clientes, foi promovido a líder do setor.

O funcionário estrangeiro contratado mais recentemente pela rede coordena atualmente 13 pessoas – 12 brasileiros e um sírio.

“Os brasileiros me ajudam muito, nunca tive problemas com a equipe. E até mesmo com a língua eles estão sempre me corrigindo”, conta.

Um primo dele da Síria que chegou em 2016 também trabalha na rede atacadista e atualmente é líder no setor de recebimento de mercadorias. “A gente ajuda porque é ajudado”.

O sírio trabalha desde os 16 anos – passou pela loja de venda e assistência técnica de celulares do pai e por uma fabricante de medicamentos. “Toda essa experiência me ajudou a chegar onde estou hoje na rede atacadista”, comenta.

E está muito feliz em tirar férias. “Lá na Síria não tinha férias. Vou tirar minhas primeiras férias em maio”, diz.

Atualmente moram na Síria seus pais, um irmão e uma irmã. Almasri ainda não conseguiu ir para Damasco ver sua família, mas está guardando dinheiro para a viagem.

Seu plano é fazer faculdade de economia – ele cursou um ano em Damasco. Mas pretende fazer só “quando dominar a língua portuguesa”.

A Akki tem 5% dos seus funcionários estrangeiros. A rede diz que apoia a inserção cultural e que por isso abre espaço para os estrangeiros na sua equipe.

Segundo a companhia, o maior desafio é lidar com a diferença de culturas. Segundo a rede, os estrangeiros são muito disciplinados, mas alguns são pouco flexíveis e sofrem mais para se adaptar à realidade do Brasil.

Para contratar a companhia exige português básico, sem necessidade de conhecimentos específicos. A maioria dos estrangeiros trabalha em funções operacionais, na área de prevenção de perdas e recebimento de mercadoria, mas há chance de ascensão.

Na prática, o estrangeiros avisam os conterrâneos recém-chegados que há vagas na atacadista, em uma espécie de boca a boca que ganha amplitude nas redes sociais.

“Vi comentários na internet de estrangeiros dizendo que a empresa contratava quem morava fora do Brasil e cadastrei meu currículo no site. Depois de um mês fui chamado para entrevista”, conta o paraguaio Francisco Ramon Garay Baez, de 27 anos, chegou ao Brasil em julho de 2016.

Ele deixou Ciudad Del Leste depois que o movimento de turistas brasileiros caiu, provocando uma crise no varejo da cidade. Ele trabalhava em uma loja e seu salário foi reduzido. Ele chegou a trabalhar em uma confecção na Zona Leste de São Paulo, mas ficou apenas um mês.

Começou em outubro de 2016 na rede como fiscal de prevenção e perdas, da mesma forma que Almasri. Em 6 meses, se tornou líder no setor de prevenção e perdas. Trabalha com 14 funcionários - 12 brasileiros, um paquistanês e um sírio.

“Todo mundo se ajuda, o que aprendo com os brasileiros eu vou mostrando para os estrangeiros”, conta.

Hoje casado e com um filho de 4 meses, não pretende mais voltar ao Paraguai. E agora sonha em voltar para a faculdade e progredir mais ainda no Brasil.

Gaez parou no 3º ano de engenharia ambiental no Paraguai. Agora pensa em fazer curso de logística por ter a ver com a área em que está trabalhando.

“Vou fazendo meu melhor para progredir. Eu tenho essa vontade de crescer na vida. Acredito que o diploma de logística vai ajudar.”

Entre as diferenças de trabalhar no Brasil e no exterior, os estrangeiros ressaltam os benefícios trabalhistas para quem tem carteira assinada.

Gaez diz que no Paraguai as empresas não dão vale-refeição nem vale-transporte, então sobrava pouco dinheiro, que ia para o financiamento da moto dele e para ajudar sua mãe.

“Aqui o dinheiro sobra, aqui tem cesta básica, dá até para guardar um pouco. Tem plano de saúde também, no Paraguai não tinha”, comenta.

Os colegas sírios Saddik e Almasri também destacaram essa diferença em relação ao mercado de trabalho sírio, mesmo antes da guerra.

“Aqui tem vale-refeição, vale-transporte, FGTS e seguro-desemprego. Na Síria e no Egito é só salário que o trabalhador recebe, e quando é mandado embora não recebe nada. Não tem nem férias”, diz Saddik.

Apesar da boa percepção dos estrangeiros, o mercado de trabalho no Brasil está se recuperando da crise puxado pelo emprego informal, mas ainda faltam vagas com carteira assinada no país.

Fonte: Marta Cavallini, G1 / G1

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