Imagine a situação: seu time disputa 35 jogos na Série B, não consegue vencer nenhum, soma apenas quatro pontos e chega na última rodada precisando da vitória para não bater um recorde negativo de 126 anos. Perde por goleada em casa. Mesmo assim, o clima no estádio é de festa, a diretoria reduz os preços dos ingressos e ainda oferece um chope de graça aos torcedores em forma de agradecimento pela lealdade ao longo da temporada. Seria possível no Brasil?

Aconteceu na segunda divisão da Escócia, no jogo de despedida do rebaixado Brechin City. Apesar da derrota para o Queen of the South, não teve protesto na arquibancada e nem crise na diretoria. O treinador não correu risco de ser demitido em nenhum momento na temporada - pelo contrário, foi bastante elogiado pelo presidente e sua permanência faz parte do planejamento para o próximo ano. A torcida continuou viajando para apoiar os jogadores e reconheceu todo o esforço deles.

"Esta temporada pode ter sido difícil, mas contamos muitas piadas no ônibus a cada jogo fora de casa, e nenhuma derrota mudou isso. Vou sentir falta"

Toda essa tranquilidade não condiz com a campanha desastrosa do time, que perdeu 32 dos 36 jogos da liga e empatou os outros quatro. Afundou na lanterna, com uma diferença de 24 pontos para o penúltimo colocado. Foram 90 gols sofridos e apenas 20 a favor. O último time escocês a passar um campeonato inteiro sem vencer foi o Vale of Leven, em 1892. "Não queremos ser a resposta para uma charada de bar", chegou a dizer o presidente, Ken Ferguson. Mas não adiantou. Único do Reino Unido a terminar a temporada sem vencer, o Brechin City entrou para a história e virou notícia no mundo inteiro.

"O Brechin City está em todos os jornais do Reino Unido - rendemos mais notícia do que o Manchester City"

Mas nem tudo foi vexame para o Brechin City em sua aventura na segunda divisão. O time foi promovido no ano passado depois de duas vitórias nos pênaltis nos playoffs da terceirona, e já esperava toda essa dificuldade na liga superior. Afinal, o elenco é semiprofissional e os jogadores treinam só duas vezes por semana.

Apesar de tudo, os jogos contra os times de cima da tabela foram apertados, com apresentações aguerridas e derrotas por 1 a 0 ou 2 a 1. Na Copa da Escócia, eles conseguiram a única vitória de toda a temporada: 3 a 2 contra o Buckie Thistle na estreia. Na fase seguinte, foram goleados por 5 a 0 pelo poderoso Celtic, heptacampeão escocês.

"Você está na memorável caravana de 1.200 torcedores para o jogo contra o Celtic? Vamos Reds! #Acredite"

No lado financeiro, outra vitória: arquibancadas mais cheias, mais patrocinadores e mais dinheiro da federação. "Vamos cair como um time mais forte, com jogadores melhores e em uma situação financeira mais confortável do que quando subimos", comemorou o presidente.

Falando em arquibancadas cheias, o Brechin City provou ter uma torcida das mais fieis, apesar de pequena. Um ônibus com cerca de 20 fãs seguiu o time em todos os jogos fora de casa. E sem climão de enterro por causa do jejum de vitórias - longe disso. "O humor no ônibus é fantástico, todos nós damos boas risadas. Quando você vai para um jogo esperando ser derrotado, o jeito é rir", contou à BBC o torcedor Dean Walker, presidente da "organizada".

Foi assim, na base do bom humor (e da cerveja de graça), que os fãs do Brechin City prestigiaram o último jogo na segunda divisão. Nem a derrota por goleada foi capaz de tirar a animação de Margaret Noble, de 89 anos, torcedora-símbolo do clube. "Simplesmente continuo sorrindo", disse ela à BBC. "Vivo sozinha, então isto é a minha família. Não foi das melhores temporadas, mas ainda acho que nossos garotos jogaram um bom futebol. Até marcamos um gol". O time perdeu por 5 a 1. 

Fonte: Do UOL, em São Paulo