Caminhada bem humorada pede resgate do Rio Carioca
Principal fonte para o abastecimento nos primeiros séculos da capital fluminense e personagem de episódios históricos na cidade como o reflorestamento do Maciço da Tijuca e a construção dos Arcos da Lapa, o Rio Carioca passa hoje pelo subsolo de bairros da zona sul do Rio, sem que muitos moradores saibam de sua existência. Para pedir a recuperação do rio e a atenção da população, pesquisadores, educadores e moradores fizeram hoje uma caminhada bem humorada pelo traçado atual, surpreendendo com músicas e explicações quem não lembrava ou nunca soube das águas que passavam sob seus pés.
"A população desconhece que o rio passa embaixo de onde ela vive. Fizemos uma incursão pela nascente e foi incrível. É limpíssima. Até passar pela comunidade dos Guararapes, ele [o rio] é totalmente limpo. Vamos hastear um marco onde o poder público tem que atuar", disse Silvana Gontijo, coordenadora da campanha de resgate do Rio Carioca e presidente da organização não governamental Planetapontocom. Ao entrar na área urbana, ela conta que o rio passa a receber esgoto até ser tratado por uma estação, no Parque do Flamengo.
A caminhada passou pela comunidade dos Guararapes, em Santa Teresa, pelo Largo do Boticário, no Cosme Velho, e pelos bairros de Laranjeiras e Flamengo, até chegar ao encontro do Rio Carioca com a Baía de Guanabara, no Aterro do Flamengo. Em alguns pontos do trajeto, o grupo parava, cantava e chamava a atenção de quem estava em volta.
"É um trabalho para recuperar a memória do Rio Carioca, que tem uma importância social para o Rio de Janeiro, uma história deslumbrante. Ele foi a única fonte de água potável nos primeiros anos do século XVI", conta Silvana, que lembra que o rio era valorizado pelos índios tupinambás. Essa tribo, que habitava o local onde a cidade foi fundada, o considerava fonte da vida e capaz de deixar as mulheres mais belas, e os homens com vozes mais potentes. "Para eles, tudo o que significava vida vinha de dentro do rio".
A construção do aqueduto hoje conhecido como os Arcos da Lapa, uma das primeiras grandes obras urbanísticas da América do Sul, teve a finalidade de levar a água do rio para o centro da cidade, chegando ao Largo da Carioca. Quando o desmatamento do Maciço da Tijuca para o plantio de café comprometeu a vazão do Rio Carioca e outros, Dom Pedro II decidiu dar início ao reflorestamento que deu origem ao atual Parque Nacional da Tijuca. "A maior floresta urbana do mundo existe por causa dessa preocupação", recorda ela.
No início do século XX, no entanto, com as reformas urbanas iniciadas pelo prefeito Pereira Passos, o rio passou a correr subterrâneo. Nessa época, a pesquisadora conta que o adensamento populacional e as consequências da poluição, como o mau cheiro, contribuíram para ele desaparecesse da vista dos cariocas. Passados cerca de 100 anos, a ideia é pedir que o rio seja resgatado, recuperando parte de seu fluxo e ornamentando a cidade em pontos como as praças Ben-Gurion e José de Alencar, com pequenos lagos e chafarizes. Para isso, ela destaca que o rio precisa de tratamento. "Ele recebe o lançamento de prédios e só é tratado no final, não no caminho. No meio de uma crise hídrica como a que a gente vive, todos os mananciais têm que ser preservados", defende Silvana.
Para o engenheiro sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz, Alexandre Pessoa, é viável planejar a recuperação do rio: "É uma mudança de paradigma. O debate que estamos fazendo não é só de saneamento básico, mas de saneamento ambiental, potencializando o que o rio tem de original na sua história, no seu trajeto, na sua relação com o ambiente e com as florestas. O Rio Carioca interliga diversas estruturas de engenharia de altíssimo valor ambiental, paisagístico e da história hidráulica do nosso País".
Presidente da associação de moradores da comunidade dos Guararapes, Eduardo Silva planeja mutirões para conscientizar os moradores a não jogar lixo no rio: "É um rio que nos representa. Nossa origem carioca vem dele".
Fonte: R7
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