Represas, agrotóxico e degradação: fogo não é única ameaça ao Pantanal
Nem deserto. Nem mar. É o contraste entre estiagem e inundação, a principal característica do Pantanal. O clico de extremos é responsável por criar ambiente único, onde fauna e flora dependem das mudanças naturais para existir. Há, no entanto, dinâmicas as quais o bioma não é capaz de resistir. Diante das ameaças como incêndios criminosos, multiplicação de represas, do uso de agrotóxicos e práticas agrícolas prejudiciais, o Dia do Pantanal, celebrado nesta terça-feira, 12 de novembro, mantém o caráter de luta por conservação do bioma.
Os cerca de 190 mil km² da planície alagada ultrapassam fronteiras e se estendem por Brasil, Bolívia e Paraguai. A maior parte da área, 140 mil km², se estende pelos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Portanto, é preciso considerar a geologia de toda América do Sul para entender a dinâmica do Pantanal.
Depressão com altitude de cerca de 100 metros em relação ao nível do mar, o território é uma espécie de contraponto a cordilheira dos Andes. A formação geológica dos dois fenômenos da natureza é indissociável. A cadeia montanhosa entre a Venezuela e a Patagônia é resultado de um choque tectônico, ocorridos há milhões de anos entre as placas Nazca e sul-americana. Do movimento, também nasceu o Pantanal.
A grosso modo, o biólogo Alcides Bartolomeu Faria define a planície alagável como “um grande buraco no centro da América do Sul”. A forma de um anfiteatro também é utilizada como exemplo. Parte de um sistema de áreas úmidas do continente, o local serve de encontro entre as águas dos rios da Bacia do Rio Paraguai, quando as margens já não são suficientes para conter os seus cursos.
“Rio Miranda, Rio Aquidauna, Rio Cuiabá, Rio Corrientes, Rio Piquiri e outros nascem nas bordas do bioma e são levados para o meio do Pantanal”, descreve o diretor-executivo da Ecoa. Também fazer parte os rios São Lourenço, Taquari, Miranda, Paraguai e Apa.
Por ser periodicamente alagada pelas águas dos rios, geralmente entre os meses de outubro a abril, o depósito de diferentes sedimentos torna o espaço ainda mais complexo. Prova disto são os morros formados por rochas isolados na planície como a serra de Maracaju e morro de Azeite, um composto por arenito e outro por calcário.
Mar, terremoto e deserto: bioma de mistérios, onde lenda e realidade se misturam
A complexidade do bioma já levou pesquisadores a cogitar a possibilidade do Pantanal tratar-se de separação do oceano, ocorrida há milhões de anos: o mar de Xaraiés. A teoria se sustentava por animais encontrados no mar, também serem encontrados na planície, porém caiu por terra com o passar dos anos. O alagamento se explica apenas pela drenagem lenta das águas.
Embora a hipótese de mar no meio do continente não tenha se concretizado, terremotos são realidade discreta no bioma. Os abalos sísmicos são como herança da formação geológica do local. Em artigo publicado em 2016, o biólogo Alcides Faria fala da existência de rupturas nos blocos de rochas que estão na base da planície, além outras características que contribuem para o processo.
Os abalos sísmicos promovem acomodações de sedimentos e altera cursos dos rios, dentre eles o Taquari .
Os maiores abalos registrados foram os de Miranda, em 1964, com magnitude de 5.4 na escala Richter e o de Coxim, MS, em 2009, com magnitude 4.8. Miranda está localizada na planície pantaneira (125 metros de altitude), na bacia do rio Miranda, e Coxim (238 metros de altitude), está na parte alta da bacia do rio Taquari. No abalo de Coxim casas sofreram rachaduras, vidros quebraram e a repercussão das ondas sísmicas alcançou a Capital do estado, Campo Grande, a 300 quilômetros de distância.
Registros mostram que vários outros abalos aconteceram em diferentes regiões, dentre elas Porto Murtinho, Ladário, Corumbá e Aquidauna. O último deles foi registrado em agosto de 2016, em Corumbá e sua magnitude foi de 3.
Embora a chance de ser mar não tenha se concretizado ao longo dos anos, a possibilidade de transformar-se em deserto ronda o Pantanal. Há quem prefira não fazer apostas diante da complexidade do bioma. Mas quem vê áreas próximas ao Rio Taquari, especialmente em período de seca, não deixa comparar as áreas degradadas com as imagens de territórios desertos como do Atacama, no Chile.
Incertezas naturais e riscos induzidos
Embora mudanças e adaptações sejam rotina no ecossistema pantaneiro, interferências humanas nos processos naturais podem causar danos incalculáveis ao bioma. A intensificação dos incêndios de forma atípica entre os meses de agosto e setembro deste ano é apenas um dos riscos a que o Pantanal esta exposto.
O diretor-executivo da Ecoa alerta para implantação de represas nas no alto Pantanal. Hoje, na Bacia do Alto Paraguai (BAP), o número de represas em operação, em construção, outorgados e em fase de estudo, é de 153 empreendimentos. Destes, cerca de 20 barragens, que aguardam licença para construção e operação, estão localizados em rios federais.
“A baixo destas represas temos uma planície sedenta por água. A vida dela depende daquela água e é feito um barramento. Em época de muita seca, isso é um problema. Afinal, para gerar energia, é preciso reter água”, explica.
Interferências no ciclo de estiagem e inundações podem alterar toda a vida do bioma, inclusive o comportamento de animais e plantas.
Conforme o livro “Pantanal, paisagens, flora e fauna”, organizado pelos pesquisadores Elza Guimarães, César Claro Travelin e Pedro Sartori Manoel, a planície pantaneira possui cerca de 2 mil espécies de plantas, sendo 200 consideradas exóticas.
Quanto aos animais, a diversidade é ainda maior. Os pesquisadores catalogaram cerca de 460 espécies de aves, sendo o Pantanal a área úmida mais rica em aves no mundo. Desse total, 117 estão incluídas em pelo menos uma das listas estaduais, nacionais ou internacionais de espécies ameaçadas de extinção. Dentre essas espécies, a arara-azul grande é a mais conhecida.
Entre os mamíferos são cerca de 120 espécies, desde pequenos roedores até a anta, o maior mamífero da América do Sul, único animal nativo dispersor de grandes sementes como o acuri. O grupo de anfíbios pantaneiros é formado por cerca de 40 espécies, como os jacarés. Indispensável para economia da região, os peixes variam entre cerca de 260 espécies de peixes viventes no Pantanal e até 400 espécies vivendo nas regiões próximas.
Velhos vilões da degradação da região, os modelos de agricultura e pecuária desenvolvidos na região, contribuem para afetar os processos naturais do Pantanal. “A partir de algum momento, eu creio que a partir da década 80, começa-se a instalação da pecuária através braquiária, e, na sequência vem as plantações soja, milho e outros grãos. Com isso, os danos são muito contundentes. O assoreamento é a consequência mais imediata. Os sedimentos são carreados para os leitos dos rios e vão para dentro do Pantanal”, explica Alcides.
As produções também trazem junto consequências como desmatamento, que pode ser agravado pela atuação de madeireiras, contribuindo para os assoreamentos dos rios. Além do uso de agroquímicos, como o nitrogênio. Em excesso, a substância polui as águas doces e zonas costeiras, e pode contribuir para a mudança climática.
Na semana passada, decreto do presidente Jair Bolsonaro suspendeu a legislação federal de 2009 que proibia a instalação de usinas de açúcar e destilarias de álcool no Pantanal.
Dia do Pantanal
Diante dos riscos verificados para conservação do Pantanal, grupo formado por 30 instituições ambientais participa de reunião na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), nesta terça-feira. O objetivo é conscientizar o poder público, organismos internacionais e a população em geral, de que o Pantanal sofre ameaças e precisa de políticas públicas de proteção mais efetivas.
A data foi instituída em 2008 pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), em homenagem à morte do ambientalista e jornalista Francisco Anselmo de Barros, que ocorreu na mesma data, em 2005. Francelmo, como ficou conhecido, dedicou-se durante 25 anos à luta pela preservação do Pantanal.
No evento, serão apresentadas as principais ações de iniciativas e projetos de conservação do bioma, publicações e exibições de teasers de documentários. A programação ainda inclui o lançamento do site do Observatório Pantanal, plataforma que reúne informações sobre o bioma e que poderão ser acessadas pelo público acadêmico e sociedade em geral.
Fonte: Tainá Jara / Campo Grandes News
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