Bombeiros tiveram que mentir para salvar policiais que seriam queimados em Caarapó

18/06/2016 02:54 Policial
Policiais feridos no fato.
Policiais feridos no fato.

Os bombeiros militares são sempre lembrados por seu ofício de salvar a vida daqueles que socorrem. Para os soldados que estavam na viatura que conseguiu resgatar três policiais militares e um caminhoneiro sequestrados por índios em Caarapó, depois do susto de ver "irmãos de farda" sequestrados, o objetivo era cumprir o seu dever, mesmo que isso colocasse em risco a própria pele.

Curta o iFato no Facebook

O comandante da viatura de resgate, soldado Elton Oliveira dos Santos e os soldados Lucimar Maciel Piveta e Johnny Pereira Grubert que formavam a equipe, contaram nesta sexta-feira (17) os detalhes de como conseguiram negociar com índios e até precisaram mentir para retirar os policiais e caminhoneiro com vida da área de conflito.

Conforme relato dos bombeiros, por volta das 10h de terça-feira (14), foi acionada a equipe para atender uma ocorrência, com a informação de que naquela área da cidade havia índios baleados.

A viatura comandada por Elton foi designada para isso.

Quando estavam chegando ao local que hoje é a área de conflito, dois carros vinham em direção contrária e deram sinal para a viatura. Cada um dos veículos tinha um índio ferido, e os dois foram levados pelos bombeiros ao Hospital da cidade.

Ainda segundo relato dos soldados, eles receberam informação de que teriam que voltar porque havia mais feridos. Passaram então já na área de tensão, por uma barreira com pelo menos 30 indígenas e falaram que estavam em salvamento. Ao entenderem que era isso, os índios então teriam os deixado passar pelo bloqueio. Até esse momento, não sabiam que policiais eram feitos reféns.

Poucos quilômetros depois, uma segunda "barreira" feita por índios armados, também ‘parou’ a viatura dos bombeiros. Nessa, eles encontraram os policiais militares, que pediam socorro. Os bombeiros falaram aos índios que iam salvar a vida de indígenas, mas pediram para que não fizessem mal aos policiais.

Os bombeiros então precisaram seguir em frente até a terceira e última barreira feita na estrada antes da área de conflito.

Eles eram acompanhados por outra viatura do Corpo de Bombeiros, onde estavam o sargento Jair Cuevas, sargento Olício Lemes e o cabo identificado como Marcel. Este veículo ficou no local, e a viatura de resgate com Elton voltou para a barreira em que estavam os policiais sequestrados. Enquanto isso, pensavam em como iam fazer. "Nós não podíamos deixa-los ali naquela situação", afirmou.

Os bombeiros relatam que quando retornaram ao local, a situação dos policiais havia piorado. Estavam com o rosto pintado de preto, os índios gritavam e os agrediam. Também contaram que viram o momento em que os índios jogaram gasolina no corpo dos policiais e do caminhoneiro.

Dois policiais estavam algemados juntos e um terceiro algemado com o motorista do caminhão.

"Tudo o que eu conseguia pensar nessa hora era o que a gente podia fazer para tirar eles ali, é uma situação muito complicada que a gente nem imaginava passar. E podia ser a gente. A qualquer momento, eles também podiam nos colocar naquela situação", afirma Grubert.

Os militares bombeiros contam que agiram usando o diálogo para negociar. Elton desceu da viatura e conta que tentou manter-se o mais tranquilo possível para negociar com os índios a libertação dos reféns. "Já estou salvando [os índios], não faz mal para eles [PMs e motorista], não", era o argumento que Elton usava.

Nesse momento, um pequeno ‘alvoroço’ teria acontecido no local. Uma das lideranças que estava lá teria falado para deixar soltar os policiais militares, mas outro se recusava. "Quando um falou ‘deixe eles [bombeiros] levarem [os policiais]’, nós já fomos colocando na viatura", disse.

Os soldados foram colocando então no resgate os policiais mesmo algemados, mas num momento eles insistiam que só os deixariam ir se o motorista do caminhão ficasse. Os índios teriam inclusive batido novamente no motorista antes de ir para a viatura. "Eu falei que não podia deixar o motorista ali, que levaria todos. Num momento ali bem rápido, nós já fechamos a viatura, eu subi e fui indo embora", conta. Elton ainda relata que esse não foi o momento mais tenso.

Ao pegar os servidores nessa segunda barreira, eles só conseguiriam levar os policiais com vida se passassem pela primeira barreira ainda montada pelos índios. Os bombeiros então pediram para que os policiais e o motorista se escondessem. Eles, algemados como estavam, deitaram no chão do veículo, abaixo dos equipamentos e macas.

Grubert ficou alocado entre a parte em que fica o motorista da viatura e a parte de socorro, pois há um acesso, com os braços abertos de forma a esconder ao máximo o que eles estavam levando. "Eu tentei ficar de uma forma que não conseguiam enxergar o que estava atrás de mim, pois os índios não podiam ver que se tratava dos policiais", relatou.

Eles então chegaram a primeira barreira, e um dos índios parou a viatura perguntando o que estavam levando. "Eu olhei bem no olho dele e disse ‘índio ferido’. Ele me perguntou umas três vezes. Tive que mentir e ser firme com ele. Se descobrissem que estava levando os policiais, algemados, todos sem arma, era possível que ficássemos todos ali também", disse.

Elton frisou que se não saísse logo dali, seu suposto passageiro corria risco de morte, então os índios os liberaram para passar. "Eu sai dali correndo o mais rápido que eu poderia. Foi um alívio muito grande e, não vou mentir, a emoção tomou conta de todos nós que estávamos dentro da viatura", afirmou.

O cenário de desespero passou pela cabeça de todos os soldados, os três relataram medo, tensão e necessidade de tirar os colegas daquela situação. Também acreditam que se não tivessem adotado as medidas, seus colegas estariam mortos.

Depois que saíram do local com todos com vida, Maciel conta que a sensação era a "melhor possível". "A gente sabe que fez a nossa obrigação, mas nessa hora a gente também pensa que salvou alguém que tem uma família o esperando, e que poderia ter morrido ali daquela forma", conta.

Os policiais militares foram levados até o Batalhão da PM em Caarapó para retirar as algemas, depois conduzidos pelos bombeiros ao hospital da cidade. Conforme mostrou o Dourados News, os policiais apresentavam marcas por todo o corpo, relembre aqui

A viatura dos bombeiros em que estavam os sargentos Jair Cuevas e Olício Lemes e o cabo Marcel, continuou naquela primeira barreira, a mais próxima do local de conflito. Seguindo o que pediam os índios, eles coordenavam viaturas de resgate do órgão e ambulâncias de órgãos de saúde a adentrar o local e seguir para o ponto de conflito resgatar índios feridos.

Jair conta, que enquanto a viatura de Elton ia até a barreira onde estavam os policiais, ele conversava sobre a liberdade dos PMs para contribuir. Após o sequestro dos militares, viu vários índios, incluindo menores de idade, circulando com coletes a prova de balas e armamento policial, que ficaram em poder dos índios. Depois do resgate, a viatura deles foi cercada por índios e um líder ordenou que os demais pintassem o rosto dos bombeiros de vermelho. "Nós ficamos ali sem saber o que havia acontecido com a viatura do Elton, achamos que podia acontecer algo conosco também".

"A gente tinha que fazer o que eles pediam, não podíamos sair dali porque eles não deixavam. Mas, não fizeram nada conosco", conta. Depois um tempo, os índios, pediram para que eles fossem direto à área de conflito. Estava anoitecendo, e os bombeiros preocupados. "Nosso alívio veio quando chegou a Polícia Federal, e então pudemos sair", relatou Jair.

 

Fonte: Fabiane Dorta, do Dourados News

COMENTÁRIOS

Usando sua conta do Facebook para comentar, você estará sujeito aos termos de uso e politicas de privacidade do Facebook. Seu nome no Facebook, Foto e outras informações pessoais que você deixou como públicas, irão aparecer no seu comentário e poderão ser usadas nas plataformas do iFato.