Trabalhador caminha 100 km para denunciar escravidão em fazenda em Porto Murtinho

Ele andou mais de 100 quilômetros a pé para relatar a situação ao Ministério Público Estadual de Bela Vista
10/12/2019 20:57 Policial
Foto: Reprodução
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Problema grave na década de 1990 em Mato Grosso do Sul, as carvoarias voltam ao noticiário após flagrante de trabalho escravo. Força-tarefa montada para fiscalizar seis carvoarias resgatou 17 pessoas que trabalhavam em situação análogas à escravidão, na região sudoeste de Mato Grosso do Sul. A operação aconteceu após um dos trabalhadores sair de Porto Murtinho e andar mais de 100 quilômetros a pé para denunciar o caso ao Ministério Público Estadual de Bela Vista.

Em quatro dias de ação, dos dias 2 a 6 de dezembro, a força-tarefa – que contou com o MPT (Ministério Público do Trabalho), Ministério Público Federal, Superintendência Regional do Trabalho e Polícia Militar Ambiental – fiscalizou seis fazendas nos arredores dos municípios de Bela Vista, Caracol e Porto Murtinho.

Toda a operação começou a partir da denúncia feita pelo trabalhador de uma dessas propriedades. Por dois meses ele prestou serviço em uma carvoaria próxima a Porto Murtinho e que recebeu apenas R$ 100 pelos serviços. Antes de deixar a propriedade, foi agredido e precisou andar mais de 100 quilômetros a pé até o Ministério Público Estadual de Bela Vista para pedir socorro.

Na propriedade de Porto Murtinho, as equipes descobriram que os trabalhadores ficavam alojados em barracos improvisados com lona e galhos de árvores. As camas eram estruturas de madeira e tijolos montadas no chão de terra. Não havia iluminação ou banheiros, por isso os empregados tinham que fazer suas necessidades fisiológicas no mato.

A água para consumo, banho e preparo de alimentos, era retirada com galões de lubrificantes de um córrego próximo à área em que os trabalhadores estavam. Além disso, por causa da falta de energia elétrica, as carnes ficavam penduradas em varais para secar, expostas a sujeira e contaminação.

Em Caracol, a fiscalização encontrou um trabalhador que recebia R$ 18 por forno de carvão vegetal – no local haviam 23 unidades. Em dois meses de trabalho na fazenda, o funcionário recebeu menos de R$ 500 e sequer conseguiu voltar para Bela Vista, onde morava antes da contratação. Conforme o MPT, não havia qualquer preocupação com as condições de saúde e segurança na fazenda. “Entre outras irregularidades, não foram fornecidos equipamentos de proteção individual”.

As mesmas irregularidades foram encontradas em uma propriedade localizada na região de Bela Vista, que pertence ao mesmo proprietário da fazenda fiscalizada em Caracol. Em 2013, o investigado já havia sido notificado pelas mesmas infracções em uma terceira propriedade na região e chegou a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta se comprometendo a cumprir uma série de regras relativas ao ambiente de trabalho dos empregados.

Ao logo dos anos, a propriedade fiscalizada em 2013 voltou a ser alvo dos auditores-fiscais, que constaram novas infrações. Por conta disso, em 2015, o MPT chegou a ajuizar ação contra o fazendeiro, para que ele cumprisse as regras determinadas no termo. Mesmo assim, ele voltou a ser denunciado por crimes trabalhistas nas outras duas propriedades e agora é investigado por envolvimento na contratação de trabalhadores em condições análogas às de escravo.

Resgates - Em abril deste ano, seis pessoas foram resgatadas de uma propriedade rural em Rochedo após serem flagrados trabalhando em circunstâncias degradantes na produção de carvão.
Em outubro, outras 13 pessoas de origens brasileira e paraguaia foram retiradas em situações humilhantes de fazendas nos municípios de Caracol e Bela Vista. Uma delas estava há 11 anos na propriedade rural.

Segundo o MPT, a escravidão moderna acontece quando o empregado tem sua autonomia restringida pelas circunstâncias do trabalho que, de tão humilhantes, suprimem sua dignidade enquanto pessoa.

“Em Mato Grosso do Sul, a escravidão moderna se concentra no meio rural e pode ser reconhecida quando constatada a submissão a trabalhos forçados, a jornadas exaustivas, a condições degradantes de trabalho ou a servidões por dívida. Trata-se de formas de exploração que violentam a própria natureza humana dos trabalhadores, ao subtraírem os mais básicos direitos, como alimentação, higiene e exercício de um trabalho digno”.

Conforme o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, entre 2003 e 2018, mais de 2,6 mil pessoas foram resgatadas em condições análogas às de escravo em Mato Grosso do Sul, uma média de 167 vítimas por ano. Em torno de 60% delas se declararam analfabetas. A maioria é do sexo masculino, com idade que varia entre 18 e 24 anos. Quase 90% das vítimas eram trabalhadores agropecuários.

Fonte: Geisy Garnes / Campo Grandes News

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