Embriões e festas VIP nas terras de Bumlai, em Campo Grande
Vista aérea da fazenda Rancho Alegre, do pecuarista, próxima de aeroporto da capital, Campo Grande. Werther Santana/Estadão.
Uma estrada esburacada margeia o aeroporto internacional de Campo Grande e leva ao palco de festas exclusivas e notórias. A mansão com piscina e churrasqueira contrasta com as casas em bairros de pouca infraestrutura e núcleos habitacionais populares. Quem vai além do portão com cadeado entra na fazenda Rancho Alegre, do pecuarista José Carlos Costa Marques Bumlai, lugar que poucos conhecem. “Nem a Polícia Federal foi lá”, diz um pecuarista que já participou de festas à beira da piscina.
A Rancho Alegre é uma das 12 fazendas de Bumlai, o amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preso na terça-feira pela Operação Lava Jato, suspeito de tráfico de influência e de intermediar repasses ao PT. Além de receber convidados, ali são colhidos embriões e sêmen para fertilização in vitro e produção de bezerros em vacas que servem de “barrigas de aluguel”.
Conforme as investigações, Bumlai tomou empréstimo de R$ 12,1 milhões do Grupo Schahin e teria repassado o dinheiro ao PT para pagar dívidas de campanha. Em troca, teria conseguido para o grupo um contrato de US$ 1,6 bilhão com a Petrobrás em 2009. Ao negar a acusação, o pecuarista disse ter pago o empréstimo com o fornecimento de embriões e sêmen, registrado em documentos fiscais.
Entre pecuaristas reunidos na quarta-feira, em Campo Grande, a história foi vista com ceticismo e ironia. Um deles dizia não saber da existência de “boi de ouro”. Com o celular, outro criador fez uma conta e concluiu que, ao preço de mercado, seria possível inseminar 126 mil vacas.
O zootecnista da Rancho Alegre, que se identificou só como Diego, disse que Bumlai faz melhoramento genético de gado das raças senepol e nelore e que o valor de um embrião fértil ou do sêmen de um bom reprodutor pode chegar a R$ 30 mil.
Campanha
O pecuarista é dono de outras fazendas no Estado, mas as propriedades que puseram Bumlai na mira da Justiça são as que ele já não possui. A fazenda Cristo Rei, com 130 mil hectares, em Miranda, no coração do Pantanal, foi vendida para André Esteves, do Banco BTG Pactual, preso um dia depois de Bumlai, sob suspeita de obstrução à Justiça. Ele teria participado com o senador Delcídio Amaral (PT-MS) de um esquema para dar fuga ao ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, preso na Lava Jato.
Foi lá que Lula gravou propaganda eleitoral na vitoriosa campanha de 2002. Nos vídeos, o petista assumia compromissos com a defesa da produção. Bumlai, que não escondia o medo de ter as terras invadidas, estreitou a amizade com Lula. A aproximação foi apadrinhada pelo então governador Zeca do PT.
As pescarias de pacu e os churrascos, regados a cerveja e cachaça pantaneira, puseram Bumlai no círculo de amigos de Lula e o tornaram “mais influente que o Delcídio e o Zeca”, segundo um criador que lhe vendeu gado. A versão é confirmada pelo presidente da Associação dos Criadores do Mato Grosso do Sul (Acrissul), Jonathan Pereira Barbosa, amigo de Bumlai.
Na gestão Lula, os negócios do amigo do presidente deslancharam e ele passou a ser conhecido como “o rei do gado” em Mato Grosso do Sul. Em 2005, Bumlai negociou com o Incra a fazenda São Gabriel, em Corumbá, por R$ 20,6 milhões. Três anos antes, ele a havia comprado por R$ 2 milhões. Para o Ministério Público Federal, o valor justo era R$ 13,3 milhões. Os pagamentos chegaram a ser suspensos, mas a Justiça liberou o montante com base em laudo pericial falso – os dois peritos estão sendo processados.
Barbosa considera que Bumlai foi usado. “Eu estava com o Bumlai, tocava o telefone, e quem era? O ex-presidente. Aí, nessa hora, ele era amigo, pedindo que fizesse favor, fizesse isso e aquilo, e o Zé Carlos, muito gentil, concordava.” Segundo ele, o pecuarista era chamado para ir a São Paulo e Brasília. “Ele falava que o presidente o estava chamando para resolver uns problemas, mas não dizia o que era.”
Falência
O declínio começou quando Bumlai entrou no setor sucroalcooleiro e montou em Dourados a usina São Fernando – para Barbosa, por influência do ex-presidente. “Quando o Lula estava saindo do governo, convenceu o Bumlai de que o etanol seria negócio do futuro. Ele entrou, com o piloto Emerson Fittipaldi e uma parte do Grupo Bertin. O álcool começou a dar para trás e, primeiro o Emerson, depois os Bertin, saíram do negócio. Ele teve de comprar a parte dos outros e não se recuperou.”
Bumlai se desfez da Cristo Rei para socorrer a usina, que havia entrado em recuperação judicial. O dinheiro não foi suficiente para impedir que o BNDES entrasse com pedido de falência da usina.
Os administradores da São Fernando não quiseram falar à reportagem. Advogados da família de Bumlai não responderam às ligações. O Instituto Lula informou que o ex-presidente não se manifestaria sobre as declarações do presidente da Acrissul.
Prisões afetam PT sul-mato-grossense
O empresário Pedro Chaves dos Santos Filho, do PSC, primeiro-suplente do senador Delcídio Amaral (PT-MS), preso na quarta-feira suspeito de tentar obstruir as investigações da Operação Lava Jato, é ligado à família do pecuarista José Carlos Bumlai, preso no dia anterior. Uma filha de Pedro, Neca Chaves Bumlai, é casada com Fernando Bumlai, filho de José Carlos Bumlai e um dos gestores da Usina São Fernando.
Na sexta-feira, em Campo Grande, o PT discutiu os efeitos das duas prisões. "Estamos abalados, mas precisamos juntar os cacos e seguir com nosso trabalho. O partido tem 40 mil filiados no Estado", disse Antônio Carlos Biffi, presidente do diretório estadual. Segundo ele, o ex-governador e deputado Zeca do PT, que participou do encontro, confirmou a disposição de concorrer à prefeitura de Campo Grande.
O PT governa 12 cidades em Mato Grosso do Sul, mas o número deve cair na próxima eleição. "Estamos trabalhando para fortalecer o partido no Legislativo", disse Biffi. Ele assumiu o posto após renúncia do ex-presidente Paulo Duarte, prefeito de Corumbá - ele alegou que a cidade sofria com a crise econômica e precisava de sua dedicação integral.
O diretório de Mato Grosso do Sul e o de Campo Grande emitiram nota criticando o posicionamento do presidente do partido, Rui Falcão, que dissera que o "PT não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade" com Delcídio. Os diretórios disseram se sentir "absolutamente desamparados politicamente", cobraram "lucidez política" e manifestaram "solidariedade ao companheiro senador Delcídio Amaral".
Fonte: José Maria Tomazela, do Estadão
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