Lama asfáltica gera prisões, tornozeleira à Puccinelli e ex-servidor foragido
Movimentação pela manhã na sede da PF em Campo Grande; em meio aos policiais, um dos conduzidos coercitivamente (Foto: Marcos Ermínio/Campo Grande New
Antes das 6h desta quinta-feira (11), a Polícia Federal saiu às ruas de Campo Grande e mais cinco cidades para prender três pessoas, levar outras nove para depor e vasculhar 32 endereços em busca de provas contra organização criminosa investigada por desvio de dinheiro público. No Estado, equipes comandadas pela força-tarefa da Operação Lama Asfáltica, cumpriram dois dos três mandados de prisão e um dos alvos é considerado foragido, conforme a assessoria de imprensa da Polícia Federal.
André Luiz Cance, ex-secretário-adjunto de Estado e Fazenda e apontado como gerenciador do esquema de cobrança e recebimento de propina, foi preso ainda pela manhã, assim como Micherd Jafar Junior, dono da Gráfica e Editora Alvorada, empresa que seria utilizada para “lavar” o dinheiro sujo.
Rodolfo Holsback, proprietário da H2L Soluções em Documentos e da HBR Medical, que também fariam parte do esquema, é o terceiro preso. Na verdade, as empresas eram os alvos de mandados de busca e apreensão, mas ele foi pego com munições sem registro e por isso, acabou preso.
Até o fim da noite desta quinta-feira, todos continuavam presos, ainda segundo a assessoria de imprensa da PF, informação confirmada pelos advogados deles.
Paulo Kalif, advogado de Micherd, disse que vai se inteirar o processo antes de tomar qualquer providência quanto à prisão e que o cliente não tem nada a declarar por enquanto em sua defesa.
Já o advogado Carlos Marques, que defende a H2L e HBR, e ainda Holsbak, garantiu por meio de nota que nem as empresas e nem o cliente dele estão envolvidos com irregularidades.
A reportagem não conseguiu contato com o defensor de André Cance.
Foragido – Jodascil da Silva Lopes, ex-servidor da SED (Secretaria de Estado de Educação), não foi localizado e é considerado foragido da Justiça, segundo a Polícia Federal. Durante o mandato de André Puccinelli (PMDB), ele foi responsável por parecer dispensando licitação para compra de 100 mil livros da Editora Alvorada.
Para a PF, a compra, feita no apagar das luzes do governo de Puccinelli, foi desnecessária e por isso, suspeita. A maior parte – cerca de 80 mil exemplares – das cinco obras paradidáticas foi encontrada na secretaria durante busca e apreensão no ano passado, o que segundo a força-tarefa seria mais uma evidência de que a compra teria ocorrido para mascarar lavagem de dinheiro.
Segundo relatório da CGU (Controladoria-Geral da União), somente em dezembro de 2014, a Editora Alvorada recebeu R$ 11.224.625,00, sendo R$ 5,5 milhões no dia 30, penúltimo do governo de Puccinelli.
Na coletiva de imprensa desta quinta-feira, José Paulo Julieti Barbiere, chefe da CGU em Mato Grosso do Sul, e o delegado da PF, Cleo Mazzotti, comentaram sobre a compra suspeita.
Eles informaram que servidores da Educação foram chamados para depor ao longo do ano passado e negaram que avaliaram os livros como imprescindíveis. “Não tinha motivo para comprar sem licitação, havia outros livros no mercado com o mesmo tema, inclusive com a indicação do MEC [Ministério da Educação]”, ressaltou Barbieri.
Consta no Portal da Transparência do Governo do Estado, que Jodascil exerceu a função de coordenador na SED de agosto a novembro de 2014, com salário de R$ 4.175,63.
Ele ainda é alvo de inquérito do MPE (Ministério Público Estadual) desde 2015. A promotoria apura suposto tráfico de influência, corrupção ativa e desvio de dinheiro público, irregularidade que teriam acontecido em uma licitação de kit escolar para alunos da rede estadual realizada 2010, de acordo com os autos da investigação.
Pai e filho – O ex-governador André Puccinelli e o filho dele, o advogado André Puccinelli Júnior, foram alvos de mandados de condução coercitiva e levados à sede da Polícia Federal para prestarem esclarecimentos.
Júnior, especificamente, teve de esclarecer a compra de 3 mil exemplares, por cerca de R$ 300 mil – R$ 100 cada - de livros lançados por ele pela Águas Guariroba, empresa responsável pelo abastecimento de água e coleta de esgoto em Campo Grande.
A aquisição também foi considerada suspeita porque o filho de Puccinelli é autor de livros com conteúdo jurídico, muito divergente da atividade principal da concessionária. A empresa preferiu não se manifestar e informou que está à disposição da Justiça.
Um dos livros organizados por Júnior – o Manual de Direito Penal, da 2ª edição (2016) da coleção Ícones do Direito, editada pela Saraiva – é assinado pelos advogados Andréa Flores e Jodascil Gonçalves Lopes, provavelmente parente do servidor foragido.
O ex-governador foi implicado porque, segundo os investigadores, como gestor, era o “garantidor de recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)” que financiaram várias obras investigadas, principalmente de rodovia estaduais e que teriam sido desviados em parte.
Os pagamentos das empreiteiras que executaram estas obras foram feitos por meio de medições fraudadas.
Para integrantes da força-tarefa, Puccinelli não só sabia dos pagamentos de propina, como também teria se beneficiado de valores que chegavam até ele por interposição de pessoas, ou seja, depois que passava por várias pessoas e empresas, através da compra e venda de bens ou produtos.
Os investigadores – da PF, CGU e da Receita Federal – estão em busca, justamente, do rastro do montante milionário que teriam sido desviados de obras e outros contratos para o bolso dos integrantes da organização criminosa.
Puccinelli prestou depoimento e deixou a sede da PF em uma das viaturas para colocar uma tornozeleira eletrônica como medida cautelar alternativa à prisão. Também foi arbitrada fiança de R$ 1 milhão ao o ex-chefe do Executivo municipal.
Ele alega não ter como pagar porque seus bens foram bloqueados pela Justiça em outra fase da Lama Asfáltica, argumento confirmado por Renê Siufi, seu advogado. A defesa vai pedir a reconsideração das determinações judiciais.
Conduções coercitivas – Jader Julianelli Afonso, ex-secretário-adjunto de Fazenda e atual secretário-adjunto de governo, também foi levado para depor. A PF não explicou exatamente o motivo.
Julianelli é auditor fiscal de carreira no Estado, com salário fixado em R$ 33.207,09, além de receber R$ 8.531,91 pelo cargo de assessor especial, conforme registros do Portal da Transparência.
Na tarde desta quinta-feira, Reinaldo Azambuja (PSDB) comentou que na atual administração, o funcionário “se limita a fazer o que o governo determina”. Ele disse ainda que vai esperar a Justiça, para tomar qualquer providência em relação ao servidor, seja afastamento, abertura de investigação administrativa, exoneração, seja ela qual for e se for necessária.
Rossana Jafar, mulher de Micherd, Ana Cristina Pereira da Silva, ex-esposa de Cance, Maria Aparecida Gonçalves Lopes, mulher de Jodascil, também tiveram de depor.
MauroCavalli, pecuarista e ex-coordenador de licitações da Semad (Secretaria Municipal de Administração), e a mulher dele Maria Rogéria Fernandes Cavalli, também foram levados à PF.
Rudel Sanches Silva, sócio em várias empresas, dentre elas a Astecon Processamento de Dados Ltda, é o nono conduzido para prestar esclarecimentos.
Varreduras e bloqueios – Nesta quarta fase, batizada de Máquinas da Lama, porque investigadores apuraram que parte dos pagamentos de propina era pagos por meio do aluguel de maquinário, foram cumpridos 32 mandados de busca e apreensão.
Em Campo Grande, policiais vasculhram a H2L, HBR Medical, Digix, na casa de Puccinelli Júnior, dentre outros endereços.
No interior, mandados foram cumpridos na sede da Eldorado Brasil em Três Lagoas, empresa que pertence ao mesmo grupo empresarial que comanda o JBS, e também nas cidades de Porto Murtinho e Nioaque. Policiais fizeram varredura ainda na Ice Cartões Especiais, em São Paulo (SP), e DM Construtora, em Curitiba (PR).
A Justiça deferiu o bloqueio de R$ 100 milhões das contas bancárias de pessoas físicas e jurídicas (cada um dos investigados) ou bens das mesmas. Não significa que todos têm este total de patrimônio, mas os suspeitos serão impedidos de movimentar o dinheiro ou venderem bens.
Operação – A Lama Asfáltica, deflagrada em 2015 com base em investigações que começaram em 2013 e sobre o período de 2011 a 2014, apurou que a organização criminosa causou prejuízo de aproximadamente R$ 150 milhões aos cofres públicos, por meio de fraudes de licitações, desvio e lavagem de dinheiro.
Fonte: Do Campo Grande News
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