WhatsApp organiza e (des)informa manifestantes pelas rodovias do país
ITAPEVA, MG, BRASIL, 25-05-2018, 18:30h. Moradores de Itapeva chegam em ônibus para prestar solidariedade aos caminhoneiros que estão paralisados à margem da rodovia 381, próximo à cidade. (Alexandre Rezende/Folhapress MERCADO) *** EXCLUSIVO FOLHA **
"Se não fosse essa ferramenta [o WhatsApp] e a internet, teríamos dispersado depois que o governo anunciou o fim da greve na televisão", Wallace Landimo Chorão, uma das lideranças dos caminhoneiros.
Há uma semana, uma mensagem que dizia que o Brasil ia parar a partir da última segunda-feira (21) em protesto contra a alta do combustível chegou a um grupo do aplicativo de mensagens WhatsApp de 60 caminhoneiros da região de Embu das Artes, em São Paulo.
Parte deles se sensibilizou com o chamado, cuja origem não era clara, e criou um outro grupo com o mesmo fim.
Na sexta-feira (25), ele já reunia mais de 290 pessoas, se tornando a principal forma de comunicação dos caminhoneiros que protestavam na rodovia Régis Bittencourt.
O formato de mobilização se repetiu em outros estados, permitindo que a paralisação prosseguisse mesmo após o acordo anunciado pelo governo federal com parte das representações da classe na noite de quinta (24).
"Se não fosse essa ferramenta e a internet, teríamos dispersado depois que o governo anunciou o fim da greve na televisão", disse uma das lideranças de caminhoneiros em Goiás, Wallace Ladim, conhecido como Chorão, que utiliza essa forma de comunicação.
Segundo ele, o grupo que entrou em acordo com o governo era formado por sindicatos e patronais. "Os caminhoneiros ainda querem desconto na gasolina e no gás de cozinha", diz. E o recado passa pelo WhatsApp.
Assim tem sido feita a mobilização dos caminhoneiros nas estradas brasileiras. Fotos, vídeos, comunicados se espalham pelo aplicativo.
Após a reunião de quinta, a CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos), por exemplo, publicou comunicado reportando à classe a proposta do governo --que se espalhou por mensagens de celular.
O texto apontava que ainda estavam pendentes antigas queixas da categoria, como a "a suspensão imediata da cobrança de pedágio sobre eixo suspenso de caminhões vazios".
Os manifestantes que ocuparam as rodovias não sabem muito bem que são seus representantes, mas as mensagens dão a entender que há alguém para defendê-los.
O caminhoneiro autônomo William Batista, 32, disse que as instituições que conversaram com o presidente Michel Temer não representavam quem estava estrada. "Mas sei que tem seis pessoas lá [em Brasília] negociando para a gente. Os nomes certinhos eu não sei. Tem um vídeo no WhatsApp, eles estão lá."
Também pela rede social circulam informações de conteúdo duvidoso, como sobre a sempre iminente chegada do Exército para retirá-los da rodovia, e até que militares teriam orientado os caminhoneiros a colocar faixas em apoio a uma intervenção das Forças Armadas para evitar a retirada. Há dezenas delas em diferentes rodovias.
Apontado como liderança dos caminhoneiros parados em São Gonçalo do Sapucaí (MG), Paulo Roberto, 41, atribui o sucesso da greve à mobilização pelo aplicativo. "O que fortaleceu foram os grupos que a gente já tinha", completa.
Ele conta que grupos de caminhoneiros desconhecidos entre si, usados anteriormente para discutir preços de fretes e condições de estrada, são hoje a rede de comunicação da paralisação.
"A gente foi montando, adicionando, e ficou do tamanho que está."
Acampados há quatro dias no entorno do terminal de petróleo de Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo), caminhoneiros têm usado a rede social e também o radioamador para serem supridos de alimentos por familiares e não deixarem o local da manifestação "descoberto".
"Alguns são associados a entidades e sindicatos, mas outros não são. A causa é a mesma, independentemente disso", disse o caminhoneiro João Cardoso dos Santos.
Ele foi um dos que refutaram a negociação entre sindicatos e o governo federal. "Não estava lá, não estou em nenhum sindicato. Sou autônomo, como o próprio nome diz, e não tive representação [no encontro na capital federal]", afirmou.
Caminhoneira Selma já criou três grupos no aplicativo
Caminhoneira há 25 anos numa profissão dominada por homens, Selma Regina Santos, 48, convoca online apoiadores ao protesto contra o custo do diesel.
Ela é uma ativista atuante com um celular na mão. Criou três grupos no aplicativo de mensagens WhatsApp: Para Frente Brasil, Siga Bem Caminhoneiro e Rainha dos Caminhoneiros --este último em sua homenagem.
Após o anúncio de um acordo entre o governo e alguns representantes da categoria, Selma passou a articular a continuação da greve.
Casada com o também caminhoneiro Ivo Evangelista, 69, eles contam gastar, numa viagem entre Curitiba, onde vivem, e o Rio Grande do Sul, cerca de R$ 1.100 em diesel. Sem contar outros custos do transporte --em geral de mudanças, peças de carro e tecidos.
"De Foz do Iguaçu a Curitiba são dez pedágios e a pista ainda é malfeita. Os valores também mudam. Você passa lá e 15 dias depois, quando volta, está outro preço", diz Selma.
E a rotina nas estradas tem outras agruras, como dormir no chão do baú e na boleia do caminhão. "A gente lava a roupa no banheiro do posto [de gasolina], estende dentro do baú, faz comida no chão. E, quando fica doente, muitas vezes não tem hospital ou farmácia por perto. Isso quando não dá defeito no caminhão..."
Se o motor quebrar, por exemplo, ela diz gastar em torno de R$ 5.000 pelo conserto. "As pessoas acham que caminhoneiro ganha dinheiro igual água, mas a realidade é outra. Eu nunca tive Natal, meu Natal é em posto."
Por causa da profissão, Selma também não participou da criação dos três filhos. "Hoje recebo a cobrança por não ter visto eles crescerem. Eu pagava uma pensão para a avó, que cuidava. Precisava trabalhar", conta.
Não foram os filhos que a afastaram das longas viagens pelas rodovias --do Nordeste ao Sul do país. Selma descobriu há quatro anos uma trombose na perna e que tinha arritmia cardíaca.
Brigando contra as doenças, a caminhoneira seguiu na estrada, agora em itinerários mais curtos.
"Sigo lutando, guerreando, mas não consigo sair da estrada", diz Selma. "Eu entrei em depressão, tive síndrome do pânico quando parei de ouvir o barulho do motor, de conhecer pessoas diferentes", conta a caminhoneira. "Não consigo me ver com uma vassoura dentro de casa."
A fragilidade da saúde foi também o motivo pelo qual decidiu não comprar a briga nas ruas. "Recebi um vídeo mostrando que tacaram uma pedra e mataram um motorista. Assim eu não quero. Sou caminhoneira, mas não podemos misturar greve com violência."
Com o serviço parado durante os quatro dias em que rodovias federais de 25 estados e no Distrito Federal estão bloqueadas, Selma e Ivo calculam o prejuízo. "Para nós, que somos autônomos, o prejuízo é total. Mesmo assim apoio e incentivo a greve."
Fonte: Folha de S.Paulo
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