Igreja faz unção de celular a quem paga em dia, com garantia de só boas notícias
Fé a gente tenta respeitar, mas nem sempre é fácil. Ontem, no caminho para o trabalho, um chamado me fez mudar a rota e parar na Igreja Universal do Reino de Deus, na avenida Mato Grosso.
Pelo rádio, o locutor convocava para a “unção dos celulares”, com a promessa de notícias boas para o resto da vida e recompensas em dinheiro a quem tem fé. “É a garantia de que o telefone só vai tocar para dar notícias maravilhosas”, diz a propaganda.
Para ganhar a “graça”, a pessoa tem de levar o aparelho, ouvir um sermão de cerca de 40 minutos e pagar o dízimo com “fidelidade”, lembra o pastor responsável pelas cinco sessões de unção realizadas ao dia. “Quem ai quer ficar rico?”, pergunta ele repetidas vezes antes de “mostrar o caminho para a fortuna”.
A lógica dos efeitos sobre o celular tem como justificativa a palavra de Deus. “A Bíblia diz: O que é ligado na terra é ligado nos céus. O celular faz o que? Ligações!”, explica o pastor Alvaro Moura, para acabar com qualquer dúvida ou dissuadir quem acha tudo aquilo um delírio.
O encontro começa com cantoria, depois vem um trecho da Bíblia que fala de prosperidade, até a distribuição de um adesivo pequeno, reforçado com “óleo ungido” por um tal bispo Marcelo Brayner.
Tudo acaba com um longo sermão sobre o poder do dízimo. Falar desse tipo de pagamento já é clichê, quando o assunto é a Igreja Universal. Mas é impossível não ficar pasma diante do primeiro discurso ao vivo do pastor. “Hoje você vai deixar um dizimo que você nunca deixou. Pode ser em cheque, dinheiro. Até dia 21 de outubro o telefone vai tocar, com o retorno em dobro.”
No grupo de apenas 28 pessoas, com muitos jovens, uma senhora de cerca de 50 anos é uma das mais participativas. Pergunto se “dá certo mesmo?” e ela responde meio ressabiada.
“Olha, já fui na novena da Perpétuo Socorro e lá também é um tal de vender bingo...Frequentei a Batista do Centro e você só participa se pagar o dízimo. Aqui não é diferente. Se a gente for fiel e contribuir, Deus recompensa”, argumenta.
Para fechar a unção e dar largada a uma vida de prosperidade, graças ao celular, um a um os fiéis vão tomando o rumo do altar, para depositar em uma urna dourada envelopes com quantias que consideram justas para tamanha dádiva.
Marketing - Toda segunda-feira, a propaganda das sessões começa na rádio da Igreja Universal com depoimentos de supostos ouvintes de Campo Grande, que contam histórias mirabolantes, de transformações da noite para o dia, graças à benção do aparelho feita pelo pastor.
Os relatos envolvem elevadas quantias ou problemas aparentemente sem solução. Tem sempre alguém falando de carrões, de pequenas fortunas, como se o reino dos céus fosse aqui, regado a bens importados.
“Eu tinha um Celtinha, mas em 6 meses na Igreja consegui comprar meu carro importado, de luxo”, diz um. “Depois da unção do meu celular, quando eu sai da igreja, meu telefone tocou e era um cliente querendo fechar negócio em uma fazenda”, garante outro.
As histórias seguem com “meu nome saiu do SPC”, “consegui um emprego numa multinacional”, “venci uma causa de R$ 100 mil e reverti tudo em dízimo”, "perdi tudo quando parei de pagar o dízimo, mas depois voltei a contribuir e tudo mudou", “vendi 3 casas que estavam encalhadas" e por aí vai.
Mas na experiência surreal que parece ser uma sessão de unção de telefone celular, a perplexidade vem com a pregação que acaba com qualquer fé que o ser humano venha a ter no outro.
A cada 10 palavras ditas, pelo menos 50% vão contra a humanidade e a possibilidade de doação sem esperar nada em troca.
“Daquela porta para fora, não dá para contar com ninguém. Quem manda é Satanás”, repete inúmeras vezes o pastor.
Fonte: Campo Grande News
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