Conselho veta blindagem a faturamento de cartórios
O Conselho Nacional de Justiça barrou, nesta terça-feira (24), a tentativa dos cartórios de dificultar ao cidadão o acesso a informações sobre os rendimentos desse serviço público.
Por 8 votos a 4, o plenário rejeitou voto do corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, que pretendia exigir a identificação do cidadão que requeresse informações sobre quanto faturam os 11.954 cartórios do país.
Estava em julgamento um recurso administrativo da Associação dos Notários e Registradores do Estado de Santa Catarina (Anoreg/SC).
Alegando razões de segurança, a entidade pediu que os dados fossem informados apenas ao Poder Judiciário, aos órgãos de controle e aos candidatos de concursos para cartório.
Em 2017, o faturamento bruto dos cartórios chegou a R$ 15,7 bilhões, com a prestação de serviços notariais, como registro de nascimento, óbito, certidões de dívida ativa, entre outros.
O Conselheiro Márcio Schiefler discordou do relator e abriu a divergência.
Schiefler lembrou no seu voto a jurisprudência do CNJ e a prática de se divulgar permanentemente os salários de magistrados e servidores da Justiça no Portal do CNJ, ou seja, não caberia tratamento diferente para os cartórios.
“Se é assim para magistrados, que são titulares do Poder Judiciário e atuam no exercício da mais típica atividade estatal, não há como estabelecer reserva ou garantia diferenciada a cartorários extrajudiciais, ainda que reconheça que os valores a serem divulgados sejam muito superiores aos dos magistrados”, afirmou Schiefler.
Por serem serviços públicos, delegados a cidadãos aprovados em concurso público específico, as atividades realizadas pelas chamadas serventias extrajudiciais se sujeitam às exigências de transparência previstas na Lei de Acesso à Informação (LAI).
Essa interpretação foi consolidada em julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), conforme lembrado pelo conselheiro Schiefler.
A ministra Cármen Lúcia acompanhou a maioria e lembrou que a falta de transparência beneficia a corrupção.
“Temos pessoas aqui que mal têm acesso ao mínimo de informações, que ouvem só o radinho de pilha e que, portanto, têm o direito de saber pelo menos quanto paga ao juiz da sua comarca, ainda assim quando tem juiz. Quando falamos em transparência no Brasil, que o constituinte entendeu por bem incluir no artigo 37 na Constituição, era porque não podíamos, não podemos continuar a não cogitar de dar ao público o que é direito do público. Portanto, os notários e registradores trabalham prestando um serviço ao público e cobrando por isso”, afirmou a ministra.
Durante a sessão, o conselheiro Arnaldo Hossepian mencionou a Resolução 215/2015, que trata de acesso a informações. Essa resolução teve origem em iniciativa de Hossepian, que, contrariando estudos de um grupo de trabalho do CNJ, e o voto já elaborado pelo seu antecessor, conselheiro Gilberto Valente Martins, passou a obrigar a identificação de cada cidadão que procura informações sobre a remuneração de magistrados e servidores.
Aquela decisão inverteu o espírito da lei, contrariando, inclusive, a prática que vinha sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal e pelos tribunais que publicavam os valores e os nomes de magistrados e servidores sem exigir identificação dos interessados.
Na ocasião, Hossepian definiu a exigência como “o exercício da cidadania, pelo acesso à informação com responsabilidade”.
Na sessão desta terça-feira, a presidente do CNJ informou que, quanto aos salários dos magistrados, a medida de identificação para solicitação de informações “não existe mais”.
Hoje, o Poder Judiciário “acabou com o mistério” quanto aos subsídios dos magistrados, afirmou.
Cármen Lúcia disse que chegou a ter que abrir dezoito páginas para localizar as informações sobre os rendimentos dos magistrados, exatamente em razão da escusa da identificação. “Era assim que se deixava sem possibilidade de acesso (à informação) as pessoas”, disse.
A decisão de manter os dados abertos, sem necessidade de identificação para se obter informações, reforça a legitimidade da divulgação das informações do faturamento dos cartórios extrajudiciais, tomada em 2014, quando o conselheiro Gilberto Valente Martins estava à frente da Corregedoria Nacional de Justiça.
Nesta terça-feira, ficaram vencidos os conselheiros Arnaldo Hossepian, Valtércio de Oliveira e André Godinho, que seguiram o voto do relator, ministro Noronha.
Fonte: Frederico Vasconcelos / Folha de S.Paulo
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