Opinião pública e imprensa evitaram obstrução da Lava Jato, diz Sérgio Moro no México

Juiz viajou para falar sobre o sucesso da operação a convite da associação Mexicanos contra a Corrupção
01/03/2018 23:23 Justiça
O juiz Sergio Moro no Senado mexicano. / Alicia Fernández / El País
O juiz Sergio Moro no Senado mexicano. / Alicia Fernández / El País

Sergio Moro visitou o México para falar sobre a importância da luta contra a corrupção. O juiz brasileiro que desde 2014 dirige a operação Lava Jato, que resultou em 118 condenações, incluindo a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e desnudou um sistema de subornos que atravessou as fronteiras do Brasil, encontrou no México um país que está sem procurador-geral há quatro meses e tem um complexo Sistema Nacional Anticorrupção em funcionamento, mas acéfalo. No entanto, o juiz deixou uma mensagem de que é possível romper a inércia que parece enraizada nas nações. “A corrupção sempre existiu e existirá, mas o que devemos fazer é romper as regras da impunidade”, disse o magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Convidado a visitar o México pela associação civil Mexicanos contra a Corrupção, Moro se reuniu na segunda-feira com estudantes de Direito de várias universidades. Também se encontrou com ministros da Suprema Corte de Justiça e deu palestras no Senado e no Colégio Nacional. Em um rápido encontro com jornalistas, no qual esteve o EL PAÍS, o juiz detalhou os aspectos fundamentais que permitiram que a Lava Jato se tornasse o caso judicial mais conhecido da América Latina, rompendo o pacto de impunidade entre o poder político e as corporações. “A colaboração de criminosos confessos foi muito importante. Um ex-diretor da Petrobras revelou os crimes de outro. E isso possibilitou processar um caso muito maior que revelou todo um sistema criminoso”, explicou. “É importante ter provas. Não se podem obter sentenças apenas com depoimentos.”

A investigação contou com a cooperação da Suíça, que forneceu provas aos tribunais brasileiros. “Eles colocaram condições. Dariam informações sobre pagamentos de subornos, mas exigiram não processar crimes fiscais com essas provas”, acrescenta o juiz. O resultado é uma operação que revelou os tentáculos de uma trama que alcançou políticos e empresários na Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México, Panamá, Peru, República Dominicana e Venezuela. Até hoje chegam aos seus tribunais depoimentos de funcionários que afirmam ter pagado subornos a funcionários de outros países para obter contratos e favores de diferentes governos.

Moro nasceu na cidade de Maringá (Paraná) em 1972. É casado e tem dois filhos. Estudou Direito e depois fez concurso para entrar na magistratura em 1996. Sobre ele planou a figura de Giovanni Falcone, um dos juízes italianos que conseguiu mais de 300 condenações de mafiosos sicilianos nos anos oitenta e noventa como parte da operação Mani pulite (mãos limpas). “Foi um juiz que me marcou”, disse. Moro era o mesmo depois de ter lido Excellent Cadavers, livro sobre a investigação judicial orquestrada pelo magistrado de Palermo, assassinado em um atentado em maio de 1992. Esse texto, lembrou Moro, foi levado posteriormente ao cinema no filme Falcone, Um Juiz contra a Máfia. O próprio Moro será um personagem de ficção. Em 23 de março o Netflix vai estrear em todo o mundo O Mecanismo, uma série brasileira inspirada na operação Lava Jato que detalha a investigação policial.

A corrupção não é uma doença tropical... Não existe nenhum destino manifesto que condene os países latino-americanos à corrupção”

Os manifestantes que tomaram as ruas do Brasil em 2016 para mostrar seu cansaço em relação à corrupção que havia contaminado as altas esferas da política usavam máscaras e camisetas com seu rosto. Moro, no entanto, minimiza o protagonismo. “Não foi minha ideia, não pedi”, ri. As sentenças do caso, diz, “não são o trabalho de um só homem.”

As chaves do sucesso da Lava Jato são muitas. “O Brasil desenvolveu uma democracia muito exigente depois dos anos do Governo militar”, afirma. Isso fez com que várias instituições do Estado tivessem suas bases reforçadas. Entre elas, o sistema de justiça e a independência interna dos órgãos de investigação. “Tornamos tudo público para que as pessoas soubessem o que estava acontecendo, que soubesse o que estava se passando.” A operação foi apoiada pela opinião pública e pela imprensa local. “Foram determinantes porque evitam a obstrução da justiça. Essa gente é muito poderosa”, disse em referência aos políticos e empresários corruptos. “Também foi importante ter um pouco de sorte”, brincou.

Moro retomou na segunda-feira a mensagem otimista diante de um grupo de senadores mexicanos. “A corrupção não é uma doença tropical... Não existe nenhum destino manifesto que condene os países latino-americanos à corrupção.” A figura que ajudou a romper a inércia da impunidade no Brasil esbanjou otimismo e chamou à ação. “O presidente do Supremo Tribunal Federal disse que talvez os tempos dos barões da corrupção no Brasil estejam chegando ao fim... Esse caso deu esperança aos brasileiros de que as coisas podem mudar, que tudo pode ser alterado quando existir vontade política.” Os senadores aplaudiram no fim da conferência. O som dos aplausos não deixou claro se os legisladores estavam aceitando o desafio ou simplesmente se despedindo de seu convidado.

Fonte: Luis Pablo Beauregard / El País

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